Como abordado em nosso post anterior, os casos de alergia alimentar vêm crescendo em todo o mundo, principalmente em regiões industrializadas. 

Os principais alérgenos que desencadeiam à maioria das reações alimentares incluem um número relativamente pequeno de alimentos: leite, ovos, amendoim, camarão e trigo ao quais abordaremos aqui.

Alergia ao ovo

A alergia ao ovo é uma das alergias alimentares comuns em bebês e crianças. Dados globais indicam que a alergia ao ovo afeta 0,5 a 2,5% das crianças pequenas, sendo na Austrália a maior prevalência relatada até o momento em 8,9%. As reações alérgicas mediadas por IgE são a manifestação mais comum da alergia ao ovo em crianças e geralmente estão presentes no primeiro ano de vida. A idade média de 10 meses normalmente coincide com a introdução do ovo na dieta do bebê. As reações geralmente ocorrem na primeira exposição conhecida ao ovo, especialmente em crianças com dermatite atópica (DA) coexistente.

O início dos sintomas pode ocorrer minutos após o consumo do ovo e pode se apresentar até 2 horas após a ingestão. As reações são comumente caracterizadas por urticária, vômito e angioedema. O ovo pode causar anafilaxia, com sintomas respiratórios e/ou cardiovasculares, como tosse, chiado no peito, aperto no peito e na garganta, hipotensão e colapso, e é relatado como desencadeante em 7–12% de todas as apresentações pediátricas de anafilaxia.

Esta alergia é definida como uma reação adversa imunologicamente mediada ao ovo, induzida pela proteína do ovo, que inclui alergia mediada por IgE e alergia não mediada por IgE. Os cinco principais alérgenos identificados em ovos de galinha são ovomucóide (Gal d1), ovalbumina (Gal d2), ovotransferrina (Gal d 3), lisozima (Gal d4) e albumina (Gal d5). A maioria das proteínas alergênicas está contida na clara do ovo (Gal d 1–4) e não na gema do ovo (Gal d5). O ovomucóide é resistente ao calor e à degeneração das enzimas digestivas, por isso é a proteína mais alergênica, enquanto a ovalbumina é a proteína mais abundante.

Cada vez mais, a alergia ao ovo é reconhecida como um espectro de apresentações, com alguns indivíduos que são clinicamente alérgicos a todas as formas de ovo (cru, cozido e assado) e outros que são alérgicos apenas a ovo cru ou parcialmente cozido. A maioria das crianças alérgicas ao ovo (65–81%) podem tolerar o alimento em um produto assado, como muffin. Isso ocorre porque o aquecimento extenso durante o processo de cozimento reduz a alergenicidade da proteína e pode reduzir o acesso ao alérgeno pela interação com o alimento. Crianças alérgicas ao ovo têm um risco aumentado de sensibilização coexistente ao amendoim.

As variantes genéticas associadas de forma singinicativa à alergia ao ovo estão relacionadas ao gene ABCB11 (rs16823014) e INTERGENIC (rs6498482). A bomba de exportação de sais biliares (BSEP/ABCB11) é uma proteína transportadora residente no fígado, que desempenha um papel essencial na circulação entero-hepática dos sais biliares. As 48 proteínas ABC humanas (classificadas em sete subfamílias, variando de ABCA a ABCG) possuem características de transporte muito diferentes e contribuem para diversas funções fisiológicas, incluindo desintoxicação, apresentação de antígenos e processos secretores. Formam uma rede complexa que constitui um mecanismo de defesa inato contra endo e xenobióticos, que é chamado de sistema quimioimunitário.

Alergia ao amendoim

A prevalência da alergia ao amendoim entre crianças nos países ocidentais duplicou nos últimos 20 anos, atingindo taxas de até 8%. Esta condição está tornando-se evidente na África e na Ásia. 

Parece que a exposição ambiental precoce (através da pele) ao amendoim pode ser responsável pela sensibilização precoce, enquanto a exposição oral precoce pode levar à tolerância imunitária, podendo prevenir alergias em bebês não sensibilizados. Esta hipótese se sustenta através dos estudos de intervenção e em estudos populacionais e de migração, onde a condição é baixa na população original, e elevada após a migração para regiões onde a alergia apresenta-se elevada. É sugerido que consumo precoce e sustentado de produtos de amendoim está associado a uma diminuição substancial e significativa no desenvolvimento de alergia ao amendoim em bebês de alto risco.

É uma das alergias mais pesquisadas com relação a herdabilidade genética. Nos estudos de GWAS os genes HLA-DRA (rs7192) e SNP intergênico (rs9275596) foram associados a um risco aumentado de alergia ao amendoim e alergia alimentar. 

Estas variantes estão em desequilíbrio de ligação com uma variante de HLA-DQB1 (rs9273440) que também está relacionada a esta condição. Ainda, estas duas regiões afetam a metilacão de DNA e, portanto, alterando os níveis de expressão de HLA-DRB1 e HLA-DQB1. É provável que o HLA desempenhe um papel causal na alergia alimentar com elevada especificidade para o amendoim.

Por outro lado, quando avaliada a reação de produção de IgG e IgG4 para o amendoim, níveis elevados de IgG4 foram associados à ausência de uma reação alérgica ao amendoim. As observações indicam que a IgG4 está associada a um papel protetor contra o desenvolvimento de alergia; embora recentemente tenha sido demonstrado que a IgG4 específica do amendoim inibe a ativação de basófilos in vitro em resposta ao amendoim.

Alergia ao camarão

O camarão é uma das principais causas de alergia alimentar em todo o mundo, com prevalência variando entre 2,8 a 8% para todas as alergias alimentares, e é também causa comum de anafilaxia induzida por alimentos. Ao contrário de outras alergias alimentares, a alergia ao camarão persiste na fase adulta em até 90% dos pacientes. Dentre os indivíduos portadores de alergia ao camarão, mais de 85% relataram ter alergia persistente ao camarão desde a infância (<20 anos).

Estudo de associação de todo o epigenoma identificou metilação específica para alergia alimentar no gene HLA-DQB1, que é causada principalmente pela variação alélica de rs9275596, um polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) intergênico entre os genes HLA-DQB1 e HLA-DQA2.

Outros polimorfismos genéticos no locus IL13 em um bloco de SNPs na região codificadora, entre os quais rs20541 (+2044G/A) produz um ganho de função de substituição de aminoácidos (Arg130Gln), variante associada à mudança de classe de IgE em células B. Este SNP está em desequilíbrio de ligação (LD) com um importante polimorfismo da região promotora, rs1800925 (-1112 C/T) que aumenta a produção de IL13 em células polarizadas Th2 e tem sido associado à sensibilização alimentar.

Em estudo científico realizado foi possível associar significativamente os genótipos HLA-DQ (rs9275596CC), IL13 (rs20541AA) e IL13 (rs1800925TT) a um maior risco de alergia ao camarão principalmente em pacientes mais jovens (20 a 40 anos). Assim como, o haplótipo composto pelos alelos rs1800925T e rs20541A apresenta maior frequência em pacientes positivos para alergia ao camarão em comparação com os controles. Já os indivíduos com haplótipos CG no gene IL13 juntamente com o genótipo TC no locus HLA rs9275596 estão significativamente associados a menor risco de alergia ao camarão.

Os genótipos HLA-DQ rs9275596CC, IL13 rs20541AA e IL13 rs1800925TT estão associados a níveis mais elevados de IgE específica para camarões. O haplótipo IL13 TA foi significativamente associado ao nível elevado de IgE específica para camarões em pacientes alérgicos. A interação do haplótipo IL13 TA e genótipo HLA-DQ rs9275596CC também foi significativamente associada ao nível elevado de IgE específica em pacientes alérgicos a camarão.

Quando cruzados os dados genéticos com o desfecho clínico com sintomatologia ao camarão, tanto os indivíduos alérgicos quanto os portadores de genótipos polimórficos apresentavam níveis de IgE específica significativamente mais elevados do que aqueles com genótipos do tipo selvagem (não portadores de alelos de risco).

Pensa-se que os genes relacionados com citocinas do tipo Th2, como a IL13, que podem alterar os níveis de IgE, e os alelos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) (HLA-DR e DQ), que estão relacionados com a resposta imunitária, são responsáveis pela alergia ao camarão. A associação geral entre inflamação alérgica e SNPs na IL13 tenha sido replicada em muitas populações etnicamente diversas.

Alergia ao trigo 

O trigo é um dos alimentos mais consumidos no mundo, e o glúten do trigo está associado a várias doenças, como doença celíaca, alergia ao trigo e sensibilidade ao glúten. Essas doenças são denominadas “relacionadas ao glúten” e têm uma prevalência global estimada em aproximadamente 5%. Entre os indivíduos que possuem alergia ao trigo, cerca de 25% dos pacientes apresentam anafilaxia e 43% dispneia, sendo que a maior parte apresenta níveis positivos de IgE específico para trigo e glúten.

Há relatos de urticária alérgica de contato, alergia induzida por exercício dependente de trigo após usar produtos tópicos de trigo hidrolisado, assim com o desencadear de alergia ao trigo com o uso tópico de hidrolisados de trigo. Foi demonstrado que a ruptura da barreira cutânea no início da vida está associada tanto à sensibilização aos alérgenos alimentares como à alergia alimentar clínica, mesmo naqueles sem dermatite atópica, apoiando a noção de que uma barreira cutânea defeituosa pode ser uma via de sensibilização aos alérgenos alimentares.

Em estudo GWAS de alergia imediata ao trigo causada pela proteína hidrolisada do trigo induzida por cosméticos, a associação mais significativa na análise de imputação foi observada para o locus localizado no íntron do gene HLADQ (rs9271588) que está em desequilíbrio de ligação com outros HLAs.

Outro SNP associado significativamente foi o do gene RBFOX1 (rs74575857), que também foi encontrado desequilíbrio de ligação com rs59325236 alcançando nível de significância para todo o genoma em na meta-análise. RBFOX1 é uma proteína de ligação ao RNA que desempenha papéis importantes no splicing alternativo e tem sido relatada como associada a doenças do neurodesenvolvimento. Um relatório recente mostrou que variantes do número de cópias de RBFOX1 estão associadas à alergia alimentar em uma coorte de ascendência europeia. É possível que a variação do número de cópias no RBFOX1 desempenhe um papel no desenvolvimento da alergia ao trigo 

Alergia ao leite

O leite de vaca é o alérgeno alimentar mais comum reconhecido por afetar a motilidade gastrointestinal em crianças, principalmente por meio de reações não mediadas por IgE. A alergia ao leite de vaca (ALV) afeta 1 a 5% das crianças, sendo que entre 32 a 60% dos casos relatam sintomas gastrointestinais, 5 a 90% apresentam manifestações cutâneas, enquanto a anafilaxia afeta 0,8 a 9% dos pacientes.

Vários fatores de risco para alergia alimentar (AF) estão envolvidos considerados, incluindo fatores genéticos, epigenéticos e ambientais, afetando a função de barreira (pele, intestino) e vias imunológicas. Estes incluem etnia (crianças não brancas em maior risco), gênero, microbiota, medicamentos (ou seja, antibióticos e inibidores de ácido), higiene, exposição reduzida a irmãos, creches e animais, insuficiência de vitamina D, comorbilidade (ou seja, obesidade, dermatite), múltiplos fatores dietéticos (como redução do consumo de ácidos graxos poliinsaturados ômega-3, antioxidantes ou fibras), infecção gastrointestinal e estresse.

É relatado diagnóstico tardio de ALV, particularmente em crianças com formas não mediadas por IgE. A ALV não diagnosticada pode comprometer a nutrição e o crescimento e pode reduzir a qualidade de vida do paciente e da família. 

Uma alergia alimentar gastrointestinal pode ser mediada por IgE, como na anafilaxia gastrointestinal e na síndrome de alergia oral, ou, mais comumente, por mecanismos mistos ou não mediados por IgE, como na esofagite eosinofílica (EoE) e doença gastrointestinal eosinofílica (EGID). A ALV não mediada por IgE tem sido associada a uma ampla gama de manifestações gastrointestinais inespecíficas, como regurgitação, vômito, recusa ou aversão alimentar, crescimento deficiente, cólica, dor abdominal, diarréia e constipação. Como muitos destes sintomas também estão presentes na doença do refluxo e nos distúrbios gastrointestinais funcionais, a distinção entre casos alérgicos e não alérgicos é muitas vezes desafiadora. 

O gene TMPRSS6 (rs855791), que codifica a proteína matriptase-2, está implicado na causalidade da alergia à proteína do leite de vaca. Também foi relacionado ao aporte de ferro, e no desenvolvimento de anemia nos portadores do alelo menor, em crianças brasileiras.

Todas estas análises criteriosas são realizadas no teste genético BioDiet Plus da Biogenetika para verificar o seu risco de desenvolver alergias alimentares. É a individualidade do cuidado aplicado de forma integral e na prática com os testes da Biogenetika que trazemos para você!

*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerando impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.

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