Antes de começarmos a abordagem sobre lipedema precisamos dizer que é essencial diferenciar lipedema de linfedema. O linfedema resulta de uma deficiência linfática genética ou adquirida, causando acúmulo de fluído nos tecidos, inflamação e expansão do tecido adiposo. No lipedema, que será o foco deste conteúdo, há aumento do tecido adiposo de forma patológica, remodelação do tecido conjuntivo e acúmulo de líquido tecidual, é uma doença de herança autossômica dominante, progressiva e multifatorial cuja etiopatogenia não está bem definida. A semelhança entre as duas condições faz aumentar a dificuldade de distingui-las entre si, portanto o diagnóstico diferencial é fundamental para adotar a conduta correta. O lipedema é uma doença reconhecida pelo American College of Cardiology de forma separada das demais relacionadas ao inchaço nas extremidades.

O lipedema ocorre quase exclusivamente no sexo feminino, tem forte ligação com o histórico familiar, atinge de 6 a 11% das mulheres. Pode ser erroneamente diagnosticado como obesidade, mas é possível diferenciar desta pela ineficácia na redução de circunferência nos membros inferiores, mesmo após perda de peso importante. Os critérios diagnósticos para o lipedema consistem em acúmulo de gordura no tecido adiposo subcutâneo ginóide (atinge maior proporção no glúteo e fêmur) que é resistente às terapias de perda de peso, além de inchaço bilateral das extremidades inferiores que é persistente apesar da elevação de nódulos subcutâneos palpáveis. O edema pode estar presente em áreas afetadas pelo lipedema, mas não é depressível ao teste (não deixa marcas na área comprimida com o toque do dedo) devido ao tecido fibrótico, e normalmente não atinge as mãos e os pés (sinal de Kaposi-Stemmer não é observado).

Atualmente é classificado por tipos, com base na localização de deposição desproporcional de gordura subcutânea nas extremidades inferiores, sendo:

  1. Tipo I, localizado nos quadris;
  2. Tipo II, nos joelhos;
  3. Tipo III, nos tornozelos;
  4. Tipo IV envolvimento dos braços;
  5. Tipo V indica o apenas o envolvimento da panturrilha.

Os sintomas mais comuns do lipedema, após a expansão da gordura subcutânea, são a facilidade de aparecimento de hematomas, devido à fragilidade capilar, e dor importante na área afetada. A dor patogênica, semelhante à neuropatia, pode estar presente em até 90% dos pacientes com lipedema, independente do IMC. Esta característica tem a capacidade de diferenciar o lipedema da obesidade. Ainda, muitos pacientes (até 50%) com lipedema apresentam hipermobilidade articular. Os sintomas começam em períodos de alteração hormonal (puberdade, gravidez e menopausa) sugestivos de mecanismos de doenças causados por estrogênio e características hereditárias.

Figura 1. Patofisiologia do lipedema

A diagram of a cell membrane

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Fonte: Duhon et al. (2022)

A expansão do tecido adiposo subcutâneo no lipedema se comporta de forma diferente da obesidade, mostrando-se resistente às intervenções metabólicas. Existem hipóteses relacionando disfunções nos adipócitos e adipogênese, inflamação tecidual, componentes alterados da matriz extracelular ou disfunção microvascular levando ao acúmulo de líquido, sendo provavelmente de etiologia multifatorial. 

Há hipertrofia e adipogênese dos adipócitos pela proliferação de células-tronco derivadas do tecido adiposo. A proliferação de células tronco de adipócitos apresenta um padrão de expressão gênica aumentado, quando comparado ao das células controles e, normalmente, estão localizadas em áreas de maior concentração de macrófagos e necrose de adipócitos. Formam estruturas chamadas de coroas adiposas (macrófagos ao redor de adipócitos), com maior concentração de linfócitos nestas regiões, portanto há importante inflamação no tecido.

Outra via inflamatória no lipedema é o acúmulo de líquido e sódio nos tecidos resultante da disfunção microvascular, com microangiopatia, hematomas frequentes, permeabilidade vascular e fragilidade capilar. O transporte linfático em massa está comprometido no lipedema, com elevação do fator 4 plaquetário e VEGF-C, mas alterações na arquitetura linfática estão praticamente ausentes. 

O aumento do tecido fibrótico com alteração na composição da matriz extracelular são características que levam à maior disfunção do tecido adiposo. Ainda pode ser a causa do acúmulo de sódio visto em estudos de imagem molecular. A remodelação inadequada da matriz extracelular resulta na expansão hipertrófica do tecido adiposo subscutâneo. 

Como conduta nutricional, o consumo de dieta com baixa proporção de carboidratos e alimentos com alto teor de antioxidantes, inspirada na dieta mediterrânea, tem se mostrado eficaz para melhorar a composição corporal geral e em áreas corporais especificamente afetadas pelo lipedema. O uso da dieta cetogênica, com menos de 30g de carboidratos ao dia, parece ser promissora para o tratamento do lipedema, pois resulta na redução da insulina, e como consequência redução do acúmulo de gordura e hipertrofia das células adiposas, ainda há aumento de saciedade e sensibilidade cerebral à leptina, modulação da inflamação e do estresse oxidativo, redução na sensibilidade à dor após várias semanas de cetose pela indução de adenosina (analgésico natural). O padrão mediterrâneo se relaciona a melhora nos níveis sanguíneos de vitamina D e E, além de outros componentes antioxidantes e antiinflamatórios. Deve-se estar atento para a possível redução de fontes alimentares ricas em vitamina C na dieta cetogênica.

O objetivo do tratamento nutricional é reduzir os sintomas e prevenir as complicações e progressão da doença. Portanto, melhorar a qualidade de vida. O tratamento nutricional precoce, logo após o diagnóstico, é recomendado para prevenir o desenvolvimento da obesidade e progressão do lipedema. Estudos de intervenção verificaram melhora na perda de peso e redução da adiposidade característica do lipedema.

Suplementos que possuem propriedades antiinflamatórias e antifibróticas demonstraram eficácia em pacientes com lipedema, mas ainda requerem estudos adicionais. A vitamina C pode ser considerada tanto por seu potencial antioxidante, como essencial para a síntese de colágeno, ainda, em altas doses, possui a capacidade de modular a dor em casos de neuropatia diabética. Os polifenóis por sua ação antioxidante, como a oleuropeína e a curcumina são tidos como candidatos para auxiliar no tratamento. Ácidos graxos ômega-3 que exercem atividade mais antiinflamatória precisam ser considerados devido a ação do EPA e DHA na saúde de adipócitos e uma menor ativação de macrófagos e citocinas pró-inflamatórias, com maior liberação de resolvinas e maresina.

Conhecer a capacidade antioxidante corporal individual através das análises genéticas das enzimas antioxidantes e de outros genes essenciais, que são disponibilizados no BioDiet Plus e BioNutrientes da Biogenetika, é fundamental para auxiliar no tratamento assertivo desta condição, pois desta forma o profissional de saúde pode ajustar a dosagem de antioxidantes da dieta em forma de suplementos disponibilizados ao paciente. Além disso, no Teste genético BioLipedema é possível verificar a predisposição genética para o desenvolvimento  desta patologia.

Outras abordagens também são aplicadas e sugeridas em estudos: a carboxiterapia visando a melhora na circulação sanguínea local; a fisioterapia e terapia de compressão elástica são tratamentos válidos; ainda a cirurgia lipo aspirativa pode ser considerada. De toda forma, são tratamentos que não levam a cura definitiva.

*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerar impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.

REFERÊNCIAS

CANNATARO, Roberto; CIONE, Erika. Nutritional Supplements and Lipedema: scientific and rational use. Nutraceuticals, [S.L.], v. 2, n. 4, p. 270-277, 3 out. 2022. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/nutraceuticals2040020

DUHON, Bailey H.; PHAN, Thien T.; TAYLOR, Shannon L.; CRESCENZI, Rachelle L.; RUTKOWSKI, Joseph M.. Current Mechanistic Understandings of Lymphedema and Lipedema: tales of fluid, fat, and fibrosis. International Journal Of Molecular Sciences, [S.L.], v. 23, n. 12, p. 6621-6635, 14 jun. 2022. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/ijms23126621
RENZO, Laura di; GUALTIERI, Paola; ZOMPARELLI, Samanta; SANTIS, Gemma Lou de; SERACENO, Silvia; ZUENA, Claudia; FRANK, Giulia; CIANCI, Rossella; CENTOFANTI, Domenico; LORENZO, Antonino de. Modified Mediterranean-Ketogenic Diet and Carboxytherapy as Personalized Therapeutic Strategies in Lipedema: a pilot study. Nutrients, [S.L.], v. 15, n. 16, p. 3654-3675, 20 ago. 2023. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/nu15163654.