O microbioma intestinal possui naturalmente fungos que desempenham papéis essenciais na saúde e nas doenças humanas, e o estudo desta interação foi denominada micobioma. Entretanto, quando comparamos os conhecimentos já produzidos relacionados às bactérias do intestino humano, o micobioma foi apenas parcialmente investigado. Pode-se dizer que as metodologias de estudo em grande escala focaram inicialmente em bactérias, e um volume gigantesco de dados foi gerado para identificação e classificação de espécies bacterianas, com a formação de diversos bancos de dados, o que não ocorreu com os fungos. Atualmente a ciência vem trabalhando para reduzir esta lacuna, e mais de 390 espécies de fungos já foram identificadas em todo corpo humano.

A tecnologia metagenômica de shotgun (WGS) permite que todas as espécies de microrganismos intestinais sejam identificadas, portanto bactérias, archeas, fungos e outros, com capacidade de identificação em nível de espécies, fora a vantagem de trazer as informações funcionais (genes que os microrganismos possuem). Sendo assim, se destaca como método mais preciso e confiável para sequênciamento do microbioma intestinal, quando comparado com o método de leitura do espaçador transcrito interno – ITS, como 16S para bactérias ou 18S para fungos.

Os fungos são organismos eucarióticos caracterizados por uma parede celular de quitina e glucano, representam uma pequena porção do microbioma intestinal (0,01 a 2%), e sua capacidade gênica também é muito inferior à bacteriana (0,08% do metagenoma). Poucas espécies de fungos sobrevivem à temperatura do corpo humano. O tamanho das células fúngicas é geralmente maior que o das células bacterianas, acarretando uma maior proporção na biomassa das fezes. 

Há evidências de que o micobioma é muito mais dinâmico do que a comunidade bacteriana tanto em nível taxonômico quanto em nível funcional, indicando que a composição fúngica no intestino muda rapidamente ao invés de estabilizar para um estado de manutenção. Muitas espécies de fungos da dieta e do ambiente podem ser transitórias em uma microbiota saudável. Contudo, a falta de colonização não implica ausência de impacto para a saúde humana. A dieta habitual influencia a composição e as funções do microbioma. A diversidade alfa fúngica se correlaciona com o consumo de algumas categorias de alimentos, como doces, proteínas e ferro. Os fungos intestinais também são aqueles presentes em alimentos e bebidas fermentados, frutas e pão, como S. cerevisiae, Debaromyces (queijos), Aspergillus. Algumas associações entre espécies de fungos e o consumo habitual de alimentos foram encontradas, como a de Lactarius pseudohatsudake com biscoitos, Penicillium lancoscoeruleum com peixes e Candida albicans com ferro.

As espécies dos gêneros Candida, Saccharomyces e Debaryomyces dominam tipicamente a comunidade fúngica intestinal em humanos. Estudos longitudinais demonstraram a maior abundância do gênero Debaryomices durante o período de amamentação e um aumento de Saccharomyces cerevisiae na introdução de alimentos sólidos. Algumas espécies de Candida, como Candida albicans, Candida tropicalis e Candida parapsilosis têm sido identificadas logo após o nascimento, e são apontadas no contexto de sua capacidade de provocar infecções oportunistas. O gênero Malassezia é comensal da pele, foi identificado pelo Projeto Microbioma Humano como o terceiro mais abundante no intestino de adultos. Mas também foi visto em neonatos de parto cesariano, e se relaciona à inflamação intestinal. 

Poucos estudos identificaram papéis benéficos para fungos no intestino. Alguns indicam que a colonização por fungos induz resposta de anticorpos contra eles, fornecendo proteção contra infecção disseminada destas espécies e que também podem estimular a resposta intestinal de IgA, reduzindo a formação de hifas no intestino, e induzem também respostas IgG. Os fungos comensais estimulam as vias de sinalização epitelial, como a proteína quinase ativada por mitógeno, o fator nuclear-κB e a sinalização da fosfoinositídeo 3-quinase, que orquestram a ativação imunológica e, assim, previnem o crescimento excessivo de fungos e aumentam a função da barreira mucosa. 

A exposição constante a Aspergillus e Saccharomyces influencia o desenvolvimento imunológico e afeta doenças inflamatórias. Ainda, em condições de perturbação da microbiota (uso de antibióticos ou inflamação), as espécies de Debaryomyces e Malassezia podem colonizar o intestino e causar doenças. Portanto, os fungos ambientais também devem ser considerados na relação entre saúde e doença.

Para a doença inflamatória intestinal (DII), algumas relações com o micobioma foram estabelecidas, a proporção para o gênero Candida foi maior e a diversidade foi menor entre pacientes pediátricos quando comparados aos controles. C. albicans, C. lusitaniae, Kluyveromyces marxianus e Cyberlindnera jadinii foram enriquecidos em pacientes pediátricos com doença de Crohn. C. albicans parece agravar a colite, provavelmente por estimular a produção de IL-17 pelas células TH17 do hospedeiro. Mas o papel de C. albicans e das respostas IL-17 estimuladas pelas TH17 ainda aparecem controversas na literatura científica, indicando uma possível proteção em alguns estudos, com melhora da função de barreira. 

Evidências sugerem que a resposta imune aberrante aos fungos está envolvida na doença de Crohn, pois pacientes apresentam níveis aumentados de anticorpos anti-S. cerevisiae (ASCAs), que detectam um componente da parede celular fúngica denominado manan. ASCAs também reagem a outros fungos, como C. albicans. Há evidências de que níveis aumentados de ASCAs podem predizer o desenvolvimento de DII

Em adultos com doença de Crohn, os gêneros Malassezia e Cladosporium foram os mais abundantes, mas não houve dominância de espécie fúngica na DII. Malassezia restrita pode piorar a gravidade da colite. Nos pacientes que usaram antibióticos, S. cerevisiae mostrou-se enriquecido, o que pode agravar o quadro através do aumento sérico de ácido úrico. A cicatrização de áreas de lesão intestinal pode ficar prejudicadas com a colonização por Debaryomyces hansenii. A carga fúngica mostra-se maior no tecido inflamado do que no tecido adjacente sem inflamação. O uso de fluconazol reduz as espécies de fungos em geral e parece aliviar a colite em modelos animais. 

Nenhuma espécie fúngica é suficiente para causar colite per se, pois, são colonizadores de indivíduos saudáveis, portanto é necessário outro fator, como alteração genética ou insulto ambiental no hospedeiro. No entanto, várias espécies parecem influenciar a gravidade da DII. A variabilidade entre os estudos demonstra as características de mudança rápida do microbioma e a influência realizada pelo ambiente.

Algumas espécies de fungos também se relacionaram com tipos de cânceres. O câncer colorretal possui seu risco agravado pela DII e os fungos estão relacionados, conforme abordamos. A maior abundância de Candida tropicalis se relacionou com a perda de CARD9 e com a maior carga tumoral através de indução de células imunossupressoras. Por outro lado, os fungos podem promover a ativação de inflamassoma, o que pode proteger contra o câncer induzido por inflamação. Aspergillus rambelli apresentou-se enriquecido em fezes de pacientes com câncer colorretal, e a inoculação deste fungo em enxertos de tumores promoveu o crescimento do tumor. Há associação entres A. rambelli e Fusobacterium nucleatum, uma bactéria que foi associada à resistência do câncer colorretal à quimioterapia.

Uma grande expansão de fungos foi observada no pâncreas de pessoas com câncer de pâncreas. Pela proximidade com o intestino delgado, fungos e bactérias podem entrar no pâncreas. Em modelos animais, foi detectada no pâncreas a presença de S. cerevisiae marcado após 30 minutos de consumo. Espécies do gênero Malassezia foram os fungos mais abundantes em modelos animais de CA de pâncreas e o aumento da abundância impulsiona o crescimento do tumor. É sugerido que a transformação cancerosa do pâncreas promove a colonização fúngica. O uso de antifúngicos associados ao tratamento reduziu o tamanho do tumor, mas a recolonização fúngica se torna um problema a ser modulado.

Uma maior carga fúngica intestinal foi relacionada a menor resposta ao tratamento com radioterapia, enquanto a colonização bacteriana parece auxiliar a terapia. Também a colonização fúngica no tumor influencia os resultados das terapias anticâncer, e os fungos intestinais têm o potencial de colonizar tumores distantes do intestino, como foram encontrados em câncer de mama.

Os fungos colonizam uma comunidade dominada por bactérias e a comunidade bacteriana é um regulador crucial da colonização fúngica. De forma geral, a comunidade bacteriana diversificada limita a colonização fúngica. Já o uso de antibióticos leva à expansão de espécies fúngicas resistentes. Foram encontradas associações sobrepostas entre as funções gênicas dos fungos e das bactérias, indicando que provavelmente agem em competitividade para alguns produtos da alimentação habitual. 

Algumas associações entre fungos e bactérias foram estabelecidas, dentre elas C. albicans, que é um patógeno fúngico, forma no microbioma intestinal sete associações de domínio cruzado com espécies de bactérias Ruminococcus gnavus, Firmicutes bacterium CAG 110, Streptococcus salivarius, Holdemanella biformis, Eubacterium sp CAG 274, Proteobacteria bacterium CAG 139 e Alistipes inops. Já os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) produzidos por diversas espécies de bactérias reduzem o crescimento fúngico de C. albicans. Lactobacillus possuem a capacidade de reduzir o crescimento de filamentos de C. albicans, de forma especial, L. rhamnosus. As bactérias anaeróbicas podem expressar peptídeos que matam C. albicans. 

Outra associação importante de espécies “keystone” (chave) é a que ocorre entre o fungo Debaryomyces hansenii, e as espécies bacterianas Faecalibacterium prausnitzii, Enorma massiliensis, Collinsella aerofaciens, and Prevotella copri. O fungo D. hansenii foi encontrado associado nos tecidos de doença de Crohn, o que pode levar à cicatrização desregulada. As espécies bacterianas correlacionadas com D. hansenii podem desempenhar papéis cruciais na manutenção do microbioma intestinal em um equilíbrio saudável.  A maior parte dos estudos sobre fungos comensais se concentrou em seu papel nas doenças intestinais, mas também há estudos considerando os efeitos benéficos das colônias de fungos no intestino.

Você pode utilizar a tecnologia de análise do microbioma intestinal por shotgun para conhecer a abundância, diversidade e vias bioquímicas de bactérias e fungos. A Biogenetika disponibiliza estes dados em detalhes e de forma prática direciona a modulação intestinal através da indicação individualizada de alimentos, suplementos e probióticos específicos para o perfil de microbioma intestinal analisado. 

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REFERÊNCIAS

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