As diversas formas de jejum, que representa um período prolongado sem consumir alimentos, vêm ganhando lugar na recomendação dos profissionais de saúde, assim como nas mídias, principalmente pelo potencial benefício a saúde e longevidade.

Mas, antes de praticar o jejum ou condená-lo, precisamos entender quais os processos fisiológicos estão envolvidos em possíveis benefícios ou riscos.

O jejum provoca uma série de mudanças adaptativas, como redução das taxas metabólicas basais (gasto de energia em descanso), indução de lipólise (quebra de gordura corporal) e cetogênese, modulação das concentrações hormonais e diminuição do estresse oxidativo e da inflamação. Desta forma, muitos estudos demonstraram benefícios do jejum na prevenção e ou na resistência a múltiplas doenças, principalmente nas doenças crônicas e na saúde de longo prazo.

Atualmente temos visto, nos estudos científicos, três padrões representativos de práticas relacionadas ao jejum: 1) alimentação com restrição de tempo (ART); 2) jejum intermitente (JI); 3) dieta que imita o jejum (FJ).

Todos têm revelado impactos positivos na saúde, embora provoquem efeitos diferentes no organismo. Vamos entender mais a fundo quais as diferenças fisiológicas provocadas por estes modelos de jejum.

  1. Alimentação com Restrição de Tempo (ART)

Inspirada nas práticas religiosas, como por exemplo, as práticas do jejum diário durante os períodos de purificação que compreendem semanas ou meses, assim como a prática contínua de alguns dias da semana. 

Neste modelo, é permitida a alimentação durante um período diário de 4 a 12 horas, sem restrição calórica. Os benefícios metabólicos e a melhora na sensibilidade à insulina (hormônio) dependem da interação entre os períodos de alimentação/jejum com o sistema circadiano. 

O sistema circadiano regula diversos processos, como a pressão sanguínea, liberação de hormônios, temperatura corporal e atividade metabólica. Os ritmos circadianos são mecanismos internos altamente conservados que permitem que células, órgãos e animais se antecipem e, assim, se adaptem às mudanças diárias em seu ambiente, como atividade ou repouso e consumo de energia.

Em nível molecular, o sistema de relógio circadiano é controlado por quatro genes chave: Bmal1, Clock, Cry e Per. Estes formam um loop de feedback de transcrição-tradução, no qual Bmal1 e Clock promovem a transcrição de Per e Cry, enquanto Per e Cry fornecem feedback negativo sobre a atividade de Bmal1 e Clock.

O jejum da ART muda o relógio circadiano do fígado, por ativar a proteína quinase AMPK sensível ao jejum e AgRP (neuropeptídeo agouti-relacionado), que por sua vez, modula a expressão de múltiplos moduladores rítmicos, incluindo os genes Bmal1, Clock, Cry e Per. Desta forma, o jejum ART pode auxiliar a redefinir o relógio circadiano, melhorando os ritmos. Portanto, esta abordagem é recomendada para quem possui polimorfismos relacionados ao gene CLOCK, criando o hábito de comer mais cedo e manter o jejum por períodos mais longos.

O jejum pode controlar uma das vias endócrinas fundamentais essencial para a sobrevivência das células e diferenciação celular e, que estão envolvidos no metabolismo da glicose e lipídios, que é a da insulina/IGF-1/FOXO. No entanto, quando os níveis de IGF-1 estão altos pode levar a indução da tumorigênese, do envelhecimento e desenvolvimento de doenças metabólicas. A circulação do IGF-1 no sangue é regulada pelo relógio circadiano do fígado. O jejum diminui a expressão de IGF-1 e reduz os níveis de insulina durante a realimentação, sugerindo a melhora no metabolismo sistêmico da glicose e lipídios por meio do alinhamento do relógio circadiano e da condução da expressão rítmica de genes.

O jejum da ART regula o ritmo circadiano no músculo e tecido gorduroso branco. Assim, pode influenciar a função mitocondrial no músculo, restaurando a função muscular alterada pela obesidade. No tecido gorduroso o ART pode impedir os efeitos negativos desencadeados pela gordura alimentar, e acelerar a lipólise durante o jejum.

Esta forma de jejum auxilia na regulação do ritmo da microbiota intestinal, que por sua vez, age como regulador da resposta imune, estimulando a imunidade inata. Ainda, pela modulação da expressão gênica, age na homeostase energética, controlando o gasto de energia e na redução de gordura corporal durante o jejum.

Os mecanismos específicos desencadeados por esta forma de jejum estão na figura 1.

Figura 1. O jejum ART ajusta o relógio circadiano 

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O jejum ART também possui a capacidade de regular o apetite. No hipotálamo está o centro de controle do apetite, onde estão agindo os neurônios inibidores do apetite (neurônios POMC e CART) e os neurônios promotores do apetite (neurônios NPY e AgRP). O jejum aumenta o apetite estimulando NPY e AgRP e controla os hormônios leptina, insulina e grelina. Enquanto a leptina e insulina inibem a ingestão alimentar, ativando neurônios POMC e CART, a grelina estimula NPY e AgRP, levando a alimentação. A alimentação mais cedo no dia (até 6 horas de consumo durante o dia) diminuiu a insulina e a leptina e reduziu o apetite à noite.

Portanto, os estudos atuais, revelam os efeitos do jejum ART fazendo associações diretas entre os relógios circadianos periféricos e sua influência metabólica, havendo benefícios para o adulto.

  1. Jejum Intermitente (JI)

O jejum intermitente (JI) é caracterizado por períodos recorrentes de abstinência voluntária de alimentos e bebidas, levando a ingestão de pouca ou nenhuma energia. Duas abordagens são mais populares, a) o jejum de dias alternados ou b) o jejum de 2 dias (ou restrição severa), com posterior consumo livre por 5 dias consecutivos por semana.

O JI de dias alternados foi mais estudado e tem revelado capacidade de moldar o microbioma intestinal, portanto, influenciar na imunidade e no metabolismo do hospedeiro através dos metabólitos produzidos pelos microrganismos. Estes metabólitos medeiam as interações entre os órgãos, como intestino-cérebro, intestino-adiposo e intestino-fígado. As mudanças provocadas pelo JI podem ser rápidas tanto na composição (espécies), quanto na função desempenhada. Muito deste efeito está relacionado ao enriquecimento das espécies que produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e que são imunomoduladoras. Alguns estudos verificaram aumento de espécies probióticas, que podem levar a redução de processos inflamatórios intestinais crônicos e redução no uso da energia que vem da dieta.

Diversos benefícios foram verificados com o uso do JI em dias alternados: proteção hepática, melhorara na tolerância à glicose, aumentando a secreção de insulina estimulada pela glicose nas ilhotas pancreáticas, evitando assim a hiperglicemia, a resistência à insulina e a falência progressiva das células 𝛽. Também levou a mudanças benéficas no sistema cardiovascular, metabólitos circulantes, metabolismo sistêmico e composição corporal, promoveu a regeneração e rejuvenescimento das células sanguíneas.

Diversos mecanismos de produção de RNAs não codificantes já foram descobertos e associados aos efeitos benéficos do jejum JI de dias alternados. 

Quanto a segurança, o JI não causa hipoglicemia para a maioria dos adultos com DM2 em uso de medicação hipoglicemiante.

Para o JI 5:2 ainda faltam mais estudos quanto aos benefícios e riscos. 

  1. Dieta que imita o jejum (FJ)

Apesar dos benefícios já mencionados, o jejum e a restrição calórica podem ser um desafio para muitas pessoas. Inclusive alguns não conseguem realizar ou apresentam comportamentos compensatórios importantes após a prática do jejum. 

Ainda, para algumas condições patológicas, como em casos de câncer ou doenças circulatórias, o jejum pode trazer efeitos não desejados, como aumento da mortalidade, portanto deve ser evitado.

Uma opção que vem sendo discutida, é a FJ realizada por apenas 5 dias a cada mês. O protocolo sugere o uso de restrição calórica (1 dia: 1090kcal e 2-5 dias: 725kcal), com diferentes distribuições de macronutrientes durante os 5 dias. Nos demais dias do mês, a alimentação retorna ao basal. Este ciclo deve ser repetido por 3 a 4 vezes para atingir os benefícios esperados.

Estudos têm apontado benefícios regeneradores do sistema imunológico, melhorando a imunidade antitumoral e reduzindo a autoimunidade. Esta estratégia ainda pode contribuir para efeitos rejuvenescedores de células-tronco de diversos sistemas, como cérebro, músculo, pâncreas e intestino. É capaz de aumentar a diferenciação neuronal, melhorando a neurogênese do hipocampo, e promover a regeneração de oligodendrócitos, embora os mecanismos não estejam completamente conhecidos. Esta abordagem é segura e tem-se mostrado uma ótima opção para tratamento de DM2.

Para as pessoas que possuem resistência em realizar o jejum, quer seja por reações desagradáveis relacionadas ao humor ou o aumento de fome com a compensação após o término do período estabelecido, como no caso de quem possui o polimorfismo no gene MTNR1B, a FJ é uma abordagem promissora, pois não causa os mesmos efeitos indesejados que as outras abordagens.

O jejum sozinho pode não ser suficiente para controle de peso em casos de obesidade hereditária, sendo necessário incluir exercícios físicos e outras abordagens integrativas para o tratamento. 

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REFERÊNCIAS

TANG, Dongmei; TANG, Qiuyan; HUANG, Wei; ZHANG, Yuwei; TIAN, Yan; FU, Xianghui. Fasting: from physiology to pathology. Advanced Science, [S.L.], v. 10, n. 9, p. 2204487-2204514, 3 fev. 2023. Wiley. http://dx.doi.org/10.1002/advs.202204487.