A enzima lactase-florizina hidrolase, mais conhecida como lactase, é responsável pela hidrólise de lactose a monossacarídeos (glicose e galactose), que podem ser absorvidos pelos enterócitos e transportados para a corrente sanguínea. A glicose é utilizada posteriormente como fonte de energia e a galactose compõe glicolipídeos e glicoproteínas. A lactase é codificada pelo gene LCT.

A expressão da enzima lactase é alta até a idade de desleite. Durante esse período há diminuição da produção e atividade da enzima lactase. Esse processo é conhecido como hipolactasia primária ou não persistência da lactase. A baixa atividade da lactase pode resultar no fenômeno conhecido como intolerância à lactose, com sintomas como diarreia, flatulência e dor abdominal, decorrentes da ingestão de produtos com grande quantidade de lactose. Isso ocorre porque a lactose não é hidrolisada de forma eficiente no intestino delgado, chegando ao íleo e cólon, onde diversos processos resultam nos sintomas da intolerância à lactose. As populações humanas adultas apresentam, portanto, dois fenótipos em relação à habilidade de digerir a lactose. O fenótipo de não persistência da lactase, que é caracterizado pela perda da atividade da lactase, resultando em hipolactasia e intolerância à lactose na idade adulta. E, o fenótipo de persistência da lactase, que é caracterizado pela alta atividade da enzima lactase mesmo na fase adulta, o que promove uma habilidade em digerir a lactose ao longo da vida. Ou seja, algumas populações humanas têm uma habilidade genética pré-determinada em digerir a lactose, podendo se beneficiar pela ingestão de leite e seus derivados.

Desde o Período Neolítico há uma co-evolução gene-cultura entre o gado doméstico e os seres humanos, dirigida pelas vantagens conferidas pelo consumo de leite. Essa co-evolução provavelmente influenciou alterações no gene que codifica a lactase em humanos. Assim, populações que nos seus primórdios dependeram muito mais da pecuária para sobreviver e eram grandes consumidoras de leite e laticínios em geral, apresentam menor prevalência da hipolactasia em relação àquelas que dependeram mais da agricultura como meio de subsistência.

Uma variação genética do tipo SNP (em inglês “Single Nucleotide Polymorphism”) na região promotora do gene LCT mostrou alta correlação com a persistência da lactase em populações de origem europeia. Indivíduos que apresentam genótipos TT ou CT para este SNP possuem a característica da persistência da lactase, ou seja, com possível tolerância à lactose. E, indivíduos com ausência genótipo CC possuem a característica da não persistência da lactase – hipolactasia – ou seja, de possível intolerância à lactose.

Estudos já comprovaram a prevalência dessa variação genética e sua correlação com a hipolactasia e a intolerância à lactose também na população brasileira. Estima-se que em brasileiros euro-descendentes a prevalência de hipolactasia primária seja de aproximadamente 57%.

Os métodos convencionais de diagnóstico para intolerância à lactose mais difundidos hoje em dia são o “teste de desafio da lactose” e o “teste respiratório do hidrogênio expirado”. As desvantagens desses métodos estão relacionadas às suas características invasivas, que requerem restrições alimentares e a ingestão de lactose, que promove o aparecimento dos desconfortáveis sintomas gastrointestinais naqueles que são intolerantes à lactose. Essas técnicas se tornam, portanto, inadequadas para o screening de queixas abdominais primárias.Vários estudos comparativos foram realizados, havendo consenso quanto à substituição dessas técnicas pelo teste genético.

Como o teste de perfil genético para intolerância à lactose é realizado através da análise do genoma, não há necessidade de qualquer preparo prévio, como jejum prolongado e ingestão de substâncias (por exemplo, lactose). Assim, o paciente pode se alimentar e realizar todas as suas atividades diárias normalmente, sem se preocupar com possíveis sintomas adversos decorrentes do exame.