A epigenética refere-se às modificações químicas que ocorrem no DNA e nas proteínas associadas ao DNA ou aos transcritos gênicos com ação sobre a transcrição, portanto afetam a expressão gênica sem alterar a sequência do DNA. Alguns mecanismos epigenéticos, como metilação do DNA e modificação de histonas afetam a estrutura da cromatina e a acessibilidade dos genes para a maquinaria de transcrição, facilitando ou dificultando a leitura do DNA. Já os RNAs não codificantes são os RNAs que se ligam à maquinaria gênica, como por exemplo os micro-RNAs que se ligam aos RNAs mensageiros alterando a tradução das proteínas.

A epigenética exerce papel fundamental no desenvolvimento embrionário e na diferenciação de tecidos dos diversos órgãos corporais. Algumas marcações epigenéticas são herdadas juntamente com o DNA das células germinativas, outras podem ser obtidas na fase embrionária durante a gestação e que são geradas pela interação com a mãe (estado nutricional, estresse). As marcações epigenéticas podem ser modificadas ao longo da vida de acordo com estímulos ambientais, incluindo dieta e estilo de vida.

Vamos abordar com um pouco mais de detalhes alguns mecanismos epigenéticos:

Metilação do DNA e o polimorfismo do gene MTHFR e FTO

Ocorre quando um grupo metil (CH3) é transferido para uma citosina (base nitrogenada do DNA) transformando-a em 5-metilcitosina. São de fundamental importância neste processo os grupos doadores de metil, como folato, colina, vitamina B12, betaína e o grupamento S-adenosil metionina (SAM).

A ligação do grupo metil no DNA gera uma onda de modificações e recrutamento de proteínas que se ligam ao DNA, fazendo compactação da cromatina, dificultando a leitura e reduzindo a expressão dos genes na região gênica onde ocorreu a metilação.

Os estudos afirmam que manter o aporte nutricional ideal de doadores de metil se mostra protetor contra diversas doenças, pois a hipometilação global do DNA é desfavorável para saúde, e leva a hipermetilação de genes supressores de tumores, impedindo a leitura dos genes protetores contra cânceres.

Alguns polimorfismos genéticos, como para o gene da MTHFR, que codifica a enzima metileno tetra-hidrofolato redutase, podem influenciar de forma determinante o status de 5-metil tetrahidrofolato. Isso ocorre, pois havendo os polimorfismos, a enzima MTHFR não converte adequadamente o folato em 5-metil tetrahidrofolato, havendo déficit da forma ativa da vitamina. Assim, a taxa de metilação do DNA pode ser alterada, e os efeitos são maiores quando o indivíduo possui o polimorfismo e a redução da quantidade de folato no sangue (FRISO et al., 2005). O consumo adequado de alimentos fontes de folato, como fígado, levedo de cerveja, lentilha, feijão preto, espinafre, folhas de couve, aspargos, entre outros e a correta suplementação são essenciais para corrigir possíveis deficiências.

O gene FTO foi identificado como um gene de suscetibilidade à obesidade por diversos estudos de associação do genoma em larga escala. Não apenas os polimorfismos genéticos do FTO, mas também o estado de metilação deste gene, principalmente a hipometilação das citosinas (CpG) do íntron 1, tem sido associada ao aumento na prevalência de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) em humanos e superexpressão do gene FTO. Em um estudo de revisão o consumo de leite de vaca foi relacionado à hipometilação do íntron 1 do gene FTO o que leva a uma superexpressão deste gene levando ao aumento de peso corporal e intolerância à glicose.

Os outros mecanismos epigenéticos também podem influenciar no grau de metilação do DNA, como os micro-RNAs e as modificações nas histonas.

Micro-RNAs, aleitamento materno exclusivo e o polimorfismo do gene FTO

Os micro-RNAs (miRNAs) são sequências de 18 a 23 nucleotídeos de RNA transcritos a partir do DNA. Eles têm a capacidade de influenciar no processo de tradução dos RNAs mensageiros transcritos do DNA pela ligação complementar extensa gerando a quebra do RNA com sua rápida destruição ou a ligação menos extensa gerando redução de tradução e posterior destruição do RNA mensageiro

Os miRNAs são produzidos pelo próprio organismo, e agem diretamente nas células onde são produzidos ou são secretados pelas células e representam uma importante forma de regulação gênica e comunicação intercelular. Os miRNAs podem ser encontrados em secreções corporais, como no leite materno. Podem ser absorvidos do leite materno pelo intestino do bebê agindo como compostos bioativos dos alimentos influenciando a expressão gênica do bebê. Estudos também avaliaram a influência dos miRNAs absorvidos do leite de vaca consumido através de fórmulas lácteas ou leites comercialmente disponíveis indicando que são absorvidos em doses nutricionalmente relevantes e afetam a expressão gênica do bebê. Um destes miRNAs absorvidos do leite de vaca é o miRNA-29b que é idêntico ao humano. 

Um dos alvos do miRNA-29b são as DNA demetilases (DNMT), resultando na redução da expressão de DNMT1, DNMT3a, DNMT3b nos níveis de RNA mensageiros e proteínas, o que pode influenciar de forma significativa o grau de metilação do material genético e causar impactos na saúde, como falamos acima.  

Outro miRNA abundante no leite bovino é o miR-21, homólogo ao humano, que controla indiretamente a DNMT1. Assim, o leite parece ter a capacidade de modificar o epigenoma do bebê através da supressão da metilação do DNA.

Um dos genes afetados por esta influência de microRNAs (miR-29b e miR-21) é o gene FTO, resultando no aumento de expressão do gene FTO, que funciona como amplificador crítico da maquinaria genética para o crescimento após o nascimento. A nutrição precoce, após o nascimento, aparentemente influencia o fenótipo adulto através da metilação do DNA. O aleitamento materno exclusivo parece controlar de forma adequada a magnitude de expressão e atividade do gene FTO

Desta forma, para os portadores do polimorfismo no gene FTO, consumir leite de vaca na primeira infância, mesmo que em fórmulas adaptadas à idade, pode levar a maior expressão deste gene levando ao aumento de efeitos, como por exemplo maior peso corporal e risco para sobrepeso e obesidade e marcações epigenéticas que desempenharão funções na infância e idade adulta, como o descontrole no metabolismo da glicose.

Modificação de histonas

As histonas são proteínas fundamentais à maquinaria gênica, estão ligadas à dupla fita de DNA e são essenciais para a organização da cromatina dentro do núcleo celular. São as modificações nestas proteínas que facilitam ou dificultam a leitura do DNA para a expressão gênica. 

O polimorfismo no gene FTO pode exercer efeitos epigenéticos modificando fatores de transcrição relacionados com o controle da resposta inflamatória e modificações de histonas em células de tecido sanguíneo, pâncreas e tecido cerebral de adolescentes. A inflamação é considerada um mecanismo chave subjacente à obesidade.

Portanto conhecer a genética é fundamental para adequar a alimentação e estabelecer as estratégias mais eficazes na individualização do atendimento dos pacientes. 

Nas análises genéticas dos polimorfismos presentes no painel BioDiet Plus da Biogenétika você pode identificar a presença dos polimorfismos dos genes MTHFR e FTO, e receber orientação de como adequar a individualização do tratamento para seus clientes. 

REFERÊNCIAS

FRISO, Simonetta; GIRELLI, Domenico; TRABETTI, Elisabetta; OLIVIERI, Oliviero; GUARINI, Patrizia; PIGNATTI, Pier Franco; CORROCHER, Roberto; CHOI, Sang-Woon. The MTHFR 1298A>C Polymorphism and Genomic DNA Methylation in Human Lymphocytes. Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, [S.L.], v. 14, n. 4, p. 938-943, 1 abr. 2005. American Association for Cancer Research (AACR). http://dx.doi.org/10.1158/1055-9965.epi-04-0601.

JIANG, Yanrrui; MEI, Hao; LIN, Qingmin; WANG, Jian; LIU, Shijian; WANG, Guanghai; JIANG, Fan. Interaction effects of FTO rs9939609 polymorphism and lifestyle factors on obesity indices in early adolescence. Obesity Research & Clinical Practice, [S.L.], v. 13, n. 4, p. 352-357, jul. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.orcp.2019.06.004
MELNIK, Bodo C.. Milk: an epigenetic amplifier of fto-mediated transcription? implications for western diseases. Journal Of Translational Medicine, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 1-22, dez. 2015. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1186/s12967-015-0746-z.