Doença de Alzheimer – Parte 2: A interação entre os genes e o ambiente na Doença de Alzheimer
Vamos falar sobre as interações diretas entre os genes relacionados a Doença de Alzheimer (DA), que foram explicados no post Doença de Alzheimer – Parte 1 e os fatores ambientais influenciam na chance de desenvolver DA.
Gene APOE
O gene da APOE é o fator de risco mais forte para a DA de início tardio, por isso entender como a relação da genética e ambiente se associam a este gene é fundamental.
Viu-se que o ambiente residencial e os níveis educacionais influenciaram a idade de início para os portadores da mutação PSEN1, e que possuir também o alelo APOE ε4 acelerou o início da demência nos portadores de PSEN1.
Altos níveis educacionais reduziram os efeitos negativos do alelo APOE ε4 quanto ao declínio cognitivo em idosos. Os estudos sugerem que a educação, saúde cardiovascular e estilo de vida saudável protegem contra demência e declínio cognitivo, independente do genótipo APOE, embora estes efeitos sejam menores em portadores do alelo APOE ε4, quando comparado com quem não possui este alelo.
Estudo realizado com mulheres (Women’s Health Initiative Memory Study) revelou que morar em locais com altos níveis de partículas finas no ar gera aumento de risco de declínio cognitivo e demência. Este efeito foi maior em portadoras do APOE ε4/ε4 (que possuem os dois alelos APOE ε4), com comprovação através de evidências de que as partículas finas têm capacidade de promover a deposição amiloide em modelos animais que expressam o alelo APOE ε4.
Quando analisada associação do genótipo APOE com níveis elevados de pesticidas, viu-se que há diferentes associações para os diferentes alelos. A exposição ao chumbo e ao cádmio afetaram as funções cognitivas nos portadores do alelo ε4 em modelos animais, e o alumínio resultou em aumento de fosforilação de proteína tau e deposição de peptídeo beta-amiloide (AB) em modelo celular. O traumatismo craniano exerce maior risco para demência e DA em portadores do alelo APOE ε4.
O hábito de fumar aumenta o risco de DA, mas este efeito é mais forte em pessoas que não possuem o alelo APOE ε4. Como discutimos no post Doença de Alzheimer – Parte 1, é possível que a nicotina desempenhe algum papel neste sentido. Entretanto, a presença de um alelo APOE ε4 com o histórico de excesso de bebida alcoólica e excesso de fumo foram associados a antecipar o início da DA em 2 a 3 anos. E os três fatores juntos (alelo APOE ε4, abuso de álcool e abuso de fumo) anteciparam em 10 anos o início da DA, quando comparados com quem não possuía nenhum destes fatores de risco.
O alelo APOE ε4 afeta o metabolismo lipídico e muda o metabolismo cerebral da glicose, alterando a fonte de energia cerebral para ácidos graxos poliinsaturados em idosos. O consumo de peixes gordurosos e ômega 3 protege contra a redução da cognição e DA, mas se há diferença deste efeito entre os portadores dos diferentes alelos de APOE (ε2 ou ε3 ou ε4) ainda não ficou claro. A adesão à dieta mediterrânea tem sido associada a redução do risco de DA e comprometimento cognitivo, independente do genótipo APOE.
Em indivíduos com 70 anos, a adesão a uma dieta saudável, rica em frutas, vegetais e peixes levam a um risco reduzido de demência. Quando analisados apenas entre os portadores do alelo APOE ε4, aqueles com maior adesão ao padrão alimentar ocidental (rica em açúcares e gorduras de má qualidade) apresentaram risco aumentado de demência.
É importante sempre considerarmos que a associação entre o alelo APOE ε4 e o risco de DA varia de acordo com a idade, sexo, etnia e outros polimorfismos.
Combinações de outras variáveis gênicas
Embora o gene APOE exerça uma influência importante para o desfecho na DA, devido a natureza poligênica da DA de início tardio, estudos têm utilizado alguns conjuntos de outras variantes genéticas para avaliar as interações entre genes e ambiente.
Para esta análise de conjuntos de variantes genéticas, encontraram que os indivíduos com maior risco genético obtêm menor benefício da educação, do que os com menor risco. Da mesma forma para os portadores de menor risco a exposição ao ambiente verde foi mais protetor, do que para os com maior risco, quanto à função cognitiva.
A epigenética na Doença de Alzheimer
Estudos epigenéticos foram conduzidos em gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos). Em um destes, dois irmãos foram analisados, ambos eram engenheiros químicos, mas um deles tinha alta exposição a pesticidas no trabalho. Este desenvolveu sintomas de DA aos 60 anos que continuaram até sua morte com 76 anos. O outro irmão, que trabalhou em lugar diferente, morreu aos 79 anos com câncer de próstata. Quando analisaram o tecido cerebral do irmão que desenvolveu DA, viram que havia níveis reduzidos de metilação do DNA em núcleos neuronais.
Estudos que se seguiram confirmaram a redução de metilação global do DNA e hidroximetilação no hipocampo em pacientes com DA. Estas constatações foram feitas em mais estudos com pares e trios de gêmeos idênticos, onde a redução na metilação de genes específicos (ADARB2, KCNS2, CADM1, RAB3IL1 e MATN2) se relacionou ao desenvolvimento de DA.
Estudos de ampla associação de epigenoma (EWAS) em amostras de cérebro post-mortem revelaram posições e regiões diferencialmente metiladas associadas à doença em pessoas com DA.
A acetilação de histona H3 lisina 9 e lisina 27 (H3K9ac e H3K27ac, respectivamente) foram frequentemente observadas em regiões de genes que aumentam o depósito de Aβ e fosforilação de proteína tau. Ainda, níveis aumentados de dimetilação e trimetilação de histona H3 na lisina 9 (H3K9me2 e H3K9me3, respectivamente), são marcas que reduzem a função cerebral associadas a DA.
Diversos microRNAs (miRNAs) e vários longos RNAs não codificantes (lncRNAs) se mostraram desregulados em DA.
Os fatores ambientais que parecem ter o maior impacto no epigenoma incluem metais pesados e metalóides (chumbo, arsênio, cádmio e mercúrio), poluição do ar, produtos químicos desreguladores endócrinos, aflatoxina B1, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, poluentes orgânicos persistentes, fatores nutricionais e alguns fatores de estilo de vida, incluindo fumo de tabaco, abuso de álcool e certos tratamentos com drogas.
Nutrição na modulação do genoma e epigenoma
A via metabólica do folato está diretamente ligada aos mecanismos de metilação do DNA, pois pode provocar alteração nos níveis nutricionais de precursores do grupo metil. Isso se deve pela conexão entre as duas vias, do folato e metionina, produzindo o doador de metil universal SAM. Tanto deficiência de consumo de folato, quanto polimorfismos no gene MTHFR podem contribuir para menores níveis de metilação. Por isso a identificação deste polimorfismo é fundamental para os processos de metilação, incluindo a cognição.
A administração direta de SAM normalizou a metilação de PSEN1 e BACE1, o que reduziu a produção de AB. Níveis reduzidos de folato e vitamina B12 se relacionaram a menor metilação de genes PSEN1 e BACE1. Os níveis de metilação de PSEN1 se relacionam inversamente com os níveis de expressão de PSEN1 no cérebro de pessoas com DA de início tardio.
Outros nutrientes, como metionina, betaína e colina alteram o padrão de metilação ocasionando efeitos na produção de SAM. De forma geral, os doadores metil aumentam a metilação global, já a deficiência destes, reduz a metilação global.
O estresse oxidativo exerce papel chave no envelhecimento cerebral e na DA, pois pode provocar redução de SAM, alterar níveis de cofatores metabólicos para o bom funcionamento da maquinaria gênica, além de gerar dano oxidativo ao DNA.
Os antioxidantes têm sido propostos para atrasar a progressão da neurodegeneração e reduzir a perda de células neuronais. Muitos antioxidantes atuam por meios epigenéticos, como indicado na Figura 1. Os antioxidantes, assim como a restrição calórica e a atividade física podem reduzir o estresse oxidativo e prevenir o declínio cognitivo.
Figura 1 – Componentes dietéticos com antioxidantes e suas propriedades epigenéticas
Descrição: antioxidantes presentes naturalmente nos alimentos que podem fornecer neuroproteção por mecanismos epigenéticos. Fonte da imagem: Migliore, Coppedè (2022).
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REFERÊNCIAS
MIGLIORE, L., COPPEDÈ, F. Gene–environment interactions in Alzheimer disease: the emerging role of epigenetics. Nat Rev Neurol 18, 643–660 (2022). https://doi.org/10.1038/s41582-022-00714-w