Microbioma na SII: abundância diferencial de bactérias e AGCC na modulação dos sintomas
A síndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio gastrointestinal funcional comum que afeta uma grande proporção da população mundial, com uma prevalência estimada de 7–21%, dependendo da localização geográfica e dos critérios diagnósticos utilizados.
É classificada como uma das desordens associadas aos Distúrbios da Interação Intestino-Cérebro (DIIC) que são classificados por sintomas gastrointestinais relacionados a qualquer combinação de distúrbios de motilidade, hipersensibilidade visceral, alteração da função mucosa e imunológica, microbiota intestinal e/ou processamento do sistema nervoso central. O continuum proposto pelo Roma IV pode ser visto na figura 1.
Figura 1. Continuum dos DIIC entre os distúrbios intestinais. CF, constipação funcional; DrF, Diarreia Funcional; SII, Síndrome do Intestino Irritável; C, constipação; D, diarreia; M, misto. Fonte: Figura adaptada de Schmulson e Drossman (2017).
Para fins de diagnóstico de SII, na classificação Roma IV, para SII, a dor abdominal deve estar presente na frequência de no mínimo uma vez na semana, em média, nos 3 meses anteriores, normalmente, ocorrendo melhora relacionada à defecação e deve ser acompanhada de dois, dos três, parâmetros seguintes: 1) estar relacionada à defecação, 2) estar associada a uma mudança na frequência das fezes e 3) estar associada a mudança na forma (consistência) das fezes.; os sintomas devem ter iniciado há pelo menos 6 meses. Pode ser classificado em quatro grupos diferentes, de acordo com a consistência das fezes, como na Tabela 1. Esta classificação para os hábitos intestinais é baseada no formato das fezes apenas durante os dias com movimentos intestinais anormais.
Tabela 1. Critérios para classificação dos subtipos da SII. SII-C, para constipação; SII-D, diarreia; SII-M, mista e SII-U, não classificado
Subtipo | Critério |
SII-C | Mais de um 25% das evacuações com Escala de Bristol tipos 1-2 e menos de 25% nos tipos 6-7 |
SII-D | Mais de um 25% das evacuações com Escala de Bristol tipos 6-7 e menos de 25% nos tipos 1-2 |
SII-M | Mais de um 25% das evacuações com Escala de Bristol tipos 1-2 e mais de 25% nos tipos 6-7 |
SII-U | Pacientes atendem aos critérios de diagnóstico para SII, mas seus hábitos intestinais não podem ser categorizados com precisão em nenhum dos subtipos acima |
A fisiopatologia da SII ainda precisa ser melhor compreendida, e os tratamentos disponíveis são eficazes apenas para uma parcela limitada de pacientes. Evidências crescentes sugerem que alterações na microbiota intestinal e nos seus produtos metabólicos podem desempenhar um papel crucial na patogênese da doença.
Foi observada diferença nas abundâncias de bactérias entre os subtipos de SII. Uma abundância relativa maior de Lactobacillus ssp. em SII-D grave em comparação SII-D leve a moderado. Além disso, descobriram que a forma das fezes, registrada com a Escala de Bristol, e a dor abdominal, que precede os movimentos intestinais, foram associadas às bactérias e metabólitos específicos.
Para os indivíduos com SII-D e/ou SII-M foi verificada redução do filo Bacteroidetes, das famílias Ruminococcaceae e Christensenellaceae (dentro do filo Firmicutes) e da ordem Erysipelotrichales. Já nestes mesmos indivíduos houve um aumento importante na abundância dos filos Actinobacteria e Firmicutes (Clostridiales), dos gêneros Rothia e Collinsella de Actinobacteria (em particular, a espécie Collinsella aerofaciens), e vários táxons de Firmicutes, incluindo os gêneros Clostridium e Mediterraneibacter (antigo [Ruminococcus]) e a espécie [Ruminococcus] gnavus e Bacteroides plebeius.
Os principais produtos metabólicos da microbiota intestinal são os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), um grupo de ácidos orgânicos produzidos principalmente pela fermentação bacteriana a partir da fibra alimentar e de outros carboidratos no cólon. Em particular, os SCFAs mais abundantes no intestino humano são os catabólitos bacterianos acetato (C2), propionato (C3) e butirato (C4), que atingem centenas de milimoles por litro no cólon proximal e no ceco. Além disso, outros ácidos orgânicos derivados do catabolismo bacteriano detectado no intestino humano são o valerato (C5), o lactato e o succinato.
Os AGCC são essenciais para manter a saúde e a função intestinal, uma vez que fornecem energia ao epitélio do cólon, estimulam a produção de muco e peptídeos antimicrobianos e regulam a motilidade e a inflamação intestinal. Ainda exercem efeitos sistêmicos para além do intestino, incluindo a regulação do metabolismo da glicose e dos lípidos e a modulação da função imunitária e da comunicação intestino-cérebro.
Mas o papel desses metabólitos microbianos na SII permanece controverso. As diferenças encontradas podem ser devido aos diferentes subtipos de SII, bem como nos hábitos alimentares, medicamentos, entre outros fatores. Nos indivíduos com SII-D e/ou SII-M foi encontrado maior quantidade de propionato e redução de butirato, valerato e succinato.
Ainda em indivíduos portadores de SII-D e/ou SII-M há uma subdivisão realizada a partir de catabólitos bacterianos, independente do subtipo de SII, pois alguns indivíduos produzem maiores quantidades de AGCC nas fezes e outros, quantidade reduzida. Os indivíduos identificados como produtores de baixas quantidades de AGCC estão enriquecidos com as espécies Bifidobacterium longum (filo Actinobacteria), Lentihominibacter faecis, Anaerostipes hadrus, uma espécie indefinida de Oscillospira (ordem Clostridiales) e Akkermansia muciniphila. Já os indivíduos produtores de altas quantidades de AGCC apresentaram bactérias fermentadoras de fibras, como Anaerobutyricum soehngenii, Fusicatenibacter saccharivorans, Dorea phocaeensis/ formicigenerans, Faecalibacterium duncaniae e Faecalibacterium prausnitzii. Ainda foi visto que ambos os grupos de SII apresentaram maior abundância de Firmicutes principalmente pela ordem de Clostridiales e família Lachnospiraceae, assim como maior abundância de Actinobacterias, particularmente Collinsella aerofaciens, do que os controles saudáveis.
Quando analisados os critérios clínicos para SII, como dor abdominal, aqueles indivíduos que produzem alta quantidade de AGCC apresentaram níveis elevados de dor abdominal, com associação positiva para maiores quantidades de valerato e propionato nestes indivíduos. Já o metabólito succinato associou-se positivamente em relação ao maior número de evacuações. O metabólito se associou ao tipo de fezes em ambos os grupos, altos e baixos para AGCC, indicando uma associação deste metabólito com a SII-D e SII-M.
Quanto à influência das mudanças na rotina alimentar e melhora no quadro geral, os produtores de alta quantidade de AGCC verificaram redução de dor abdominal e melhora no tipo fecal, já os de baixa quantidade de AGCC relataram melhora na frequência de evacuações.
Conhecer a fundo o microbioma intestinal de portadores de SII auxilia na conduta a ser adotada e direciona de forma mais assertiva o tratamento.
Você pode utilizar a tecnologia de análise do microbioma intestinal por shotgun para conhecer a abundância, diversidade e vias bioquímicas de bactérias e fungos ou por 16S para conhecer profundamente as bactérias intestinais. A Biogenetika disponibiliza estes dados em detalhes e de forma prática direciona a modulação intestinal através da indicação individualizada de alimentos, suplementos e probióticos específicos para o perfil de microbioma intestinal analisado. Venha fazer parte deste time seleto. É o futuro agora!
REFERÊNCIAS
GARGARI, Giorgio; MANTEGAZZA, Giacomo; TAVERNITI, Valentina; GARDANA, Claudio; VALENZA, Alice; ROSSIGNOLI, Federico; BARBARO, Maria Raffaella; MARASCO, Giovanni; CREMON, Cesare; BARBARA, Giovanni. Fecal short-chain fatty acids in non-constipated irritable bowel syndrome: a potential clinically relevant stratification factor based on catabotyping analysis. Gut Microbes, [S.L.], v. 15, n. 2, p. 1-18, nov. 2023. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/10.1080/19490976.2023.2274128.
MARS, Ruben A.T. et al. Longitudinal Multi-omics Reveals Subset-Specific Mechanisms Underlying Irritable Bowel Syndrome. Cell, [s. l], v. 182, n. 6, p. 1460-1473, 17 set. 2020.
SCHMULSON, M.; DROSSMAN, D.A. What is new in Rome IV. J Neurogastroenterol Motil, 2017 (23):2.