O microbioma intestinal humano compreende centenas de espécies de microrganismos que existem formando uma rede metabólica complexa e interdependente. Em diversas escalas, o trato gastrointestinal é um continuum que possui uma biogeografia complexa, com regiões e micro ambientes que apresentam diferentes condições físicas e bioquímicas, como redução extrema de oxigênio até se tornar anaeróbico, mudanças no pH, peristaltismo, presença de peptídeos antimicrobianos, densidade de muco e onde os nutrientes vão ficando escassos pela própria absorção intestinal. Em termos de sobrevivência, é um ambiente hostil. Estes fatores impulsionam a composição e função da comunidade microbiana hospedada nele, misturados com fatores externos de dieta e medicamentos.

Mais da metade dos metabólitos consumidos pelos microrganismos são subprodutos do metabolismo de outros microrganismos. De forma simples, nutriente ou componente químico é processado por alguns microrganismos e, o que restou deste processamento, outros irão utilizar. A interdependência das espécies pode tornar os microrganismos vulneráveis à extinção local de um parceiro for perdido, a menos que espécies alternativas estejam disponíveis para preencher este nicho. Desta forma ter espécies funcionalmente redundantes com capacidade de produzir ou consumir os mesmos nutrientes é benéfico ao hospedeiro, embora seja geralmente aceito que a alta redundância funcional é uma característica do microbioma intestinal humano resiliente.

De forma geral o cross-feeding se mantém em harmonia no estado de saúde, com metabólitos centrais, como uracil, fosfato, L-malato, sulfeto de hidrogênio, glicose, galactose, putrecina, acetaldeído, H+, glicerol, ribose, colina, tiamina, amônia e timina, sendo produzidos e consumidos pelos microrganismos. Para compreender as mudanças nos estados de doença, estudos utilizaram modelos metabólicos em toda a comunidade microbiana comparando as trocas metabólicas microbianas com os controles. Encontraram centenas de trocas metabólicas significativamente diferentes no microbioma intestinal associado à diferentes estágios de doença, como no diabetes tipo 2, na doença inflamatória intestinal (DII), cirrose e MASLD, espondilite anquilosante, aterosclerose, câncer colorretal, artrite reumatóide quando comparados com os controles saudáveis.

A tiamina foi o metabólito com a maior diferença nos metabólitos centrais na comparação entre microbiomas saudáveis entre indivíduos com cirrose e na espondilite anquilosante, ocupando o segundo lugar na DII. As associações entre deficiência de tiamina na cirrose e DII foram estabelecidas em alguns estudos demonstrando uma possível ação mediada pela microbiota intestinal. Outra relação metabólica desequilibrada identificada foi a do etanol em indivíduos com câncer colorretal.

Especificamente no caso da doença de Crohn (DC), foi verificada alteração nos microrganismos parceiros metabólicos de cross-feeding para o sulfeto de hidrogênio (H2S), um gás já implicado nos sintomas de DC. As espécies que apresentaram maior produção de H2S em pacientes com DC incluíram membros das classes Clostridia, Bacteroidia e Bacilli, sendo que Enterocloster clostridioformis (Clostridia) e Enterococcus_B faecium (Bacilos) foram observados apenas na coorte de DC. Já microbiomas de indivíduos saudáveis apresentam mais espécies com potencial para consumir H2S e apresentam alguns genes microbianos específicos para esta capacidade metabólica, como algumas cópias do gene da cisteína desulfurase (iscS), além de outros.

Outra relação interessante percebida, foi que os microbiomas com os menores valores de alfa diversidade, também apresentavam menor complementariedade metabólica entre as espécies. Isto pode ser explicado justamente pelo número de espécies microbianas reduzidas na comunidade menos diversa, mas não se explica apenas pela diminuição das espécies de forma aleatória. 

Os efeitos da atividade microbiana no intestino humano relacionados com os desfechos de um estado constante de saúde ou de perturbação em condições de doença ainda estão em processo de compreensão. Isso se deve às características de complexidade das doenças e às múltiplas possibilidades de influência da genética e do ambiente na relação entre o indivíduo e o microbioma intestinal.

Mas sem sombra de dúvidas a análise aprofundada do microbioma intestinal através das metodologias de sequênciamento genético são a chave para a compreensão da relação individual que existe em cada pessoa. Por isso, realizar os testes de Microbioma por Shotgun ou 16S da Biogenetika abrem novas possibilidades para guiar os profissionais da saúde e seus pacientes na modulação assertiva da microbiota intestinal.

REFERÊNCIAS

MARCELINO, Vanessa R.; WELSH, Caitlin; DIENER, Christian; GULLIVER, Emily L.; RUTTEN, Emily L.; YOUNG, Remy B.; GILES, Edward M.; GIBBONS, Sean M.; GREENING, Chris; FORSTER, Samuel C.. Disease-specific loss of microbial cross-feeding interactions in the human gut. Nature Communications, [S.L.], v. 14, n. 1, p. 1-11, 20 out. 2023. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41467-023-42112-w.
 MCCALLUM, Giselle; TROPINI, Carolina. The gut microbiota and its biogeography. Nature Reviews Microbiology, [S.L.], p. 1-14, 22 set. 2023. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41579-023-00969-0.