A fermentação natural dos alimentos é usada para consumo humano há milênios. Inicialmente empregada na preservação do alimento, desde meados do século XIX, tem-se o conhecimento dos seus benefícios para a saúde. São definidos como os “alimentos produzidos através do crescimento microbiano desejado e conversões enzimáticas de componentes alimentares” e ambos trazem benefícios à saúde intestinal.

As fermentações alimentares são diversas e dependem do tipo de alimento (laticínios, vegetais, legumes, frutas, carnes e peixes) e dos microrganismos envolvidos e de sua capacidade de produção de metabólitos primários, por exemplo existem as bactérias com capacidade de produzir ácido acético ou ácido lático ou propionato ou etanol ou dióxido de carbono ou amônia ou ácidos graxos. 

O microbioma capaz de realizar a fermentação de alimentos têm sido chamado de fermentoma e sua composição de microrganismos são bem variados com aglomerados de genes que permitem sobreviver ao trânsito gástrico e colonizar a microbiota intestinal, além de modular positivamente as respostas do hospedeiro (ex. sistema imunológico, eixo intestino-cérebro, saúde cardiovascular). Desta forma os alimentos fermentados se tornam um importante reservatório para microrganismos probióticos potencialmente novos, produzem nutrientes saudáveis durante a fermentação (peptídeos bioativos, ácidos orgânicos, exopolissacarídeos, vitaminas, minerais, aminoácidos), além de remover compostos indesejáveis dos alimentos. Vamos falar destes aspectos relacionados aos alimentos fermentados.

Compostos funcionais produzidos pela fermentação: enzimas, peptídeos bioativos e aminoácidos, ácidos orgânicos, vitaminas e minerais, prebióticos, exopolissacarídeos

A ação das enzimas microbianas e as enzimas do próprio alimento levam a quebra de proteínas, carboidratos, fibras e gorduras que podem melhorar o processo digestivo e a biodisponibilidade dos nutrientes e ainda podem alterar o sabor reduzindo adstringência, como no caso dos taninos na fermentação de Lactobacillus plantarum pela ação das tanases. 

A fermentação de massa de trigo ou centeio diminui o pH ativando enzimas de cereais (xilanases) que aumentam a quantidade de arabnoxilanos com efeito prebiótico no intestino humano. A ativação de proteases e carbopeptidades faz a degradação de até 5% das proteínas dos cereais. A acidificação e acúmulo de tióis induzida por lactobacilos fermentativos resulta em aumento da solubilidade do glúten tornando-a de mais fácil digestão pelas enzimas microbianas e endógenas. Na fermentação das carnes e peixes, enzimas ativadas (pH reduzido), facilitam a digestibilidade e a liberação de ácidos graxos livres. A fermentação do leite melhora a digestibilidade das proteínas pela ação de enzimas proteolíticas e peptidases, nos iogurtes. 

Enzimas de alimentos fermentados, como a nattoquinase do natto (alimento feito de soja fermentada por Bacillus natto), podem ser absorvidas do intestino e exercem atividade na corrente sanguínea. Esta enzima tem atividades antitrombóticas, anticoagulante e fibrinolítica e pode desempenhar papel benéfico na saúde cardiovascular. Com sua função de 4 a 6 vezes mais potente que a plasmina para a clivagem do inibidor do ativador de plasminogênio 1 apresenta potencial impacto clínico na hipertensão e questões cardiovasculares. Ainda, dietas ricas em natto reduzem os níveis de colesterol e triglicerídeos no fígado e modulam a microbiota intestinal (aumento de Lachnospiraceae e ácidos graxos de cadeia curta). Bacillus natto modula a microbiota humana aumentando bifidobacterias e melhora a frequência e volume fecal. Mais estudos ainda são necessários para compreender os mecanismos de ação em humanos. 

Os peptídeos bioativos liberados na fermentação podem exercer funções benéficas, incluindo atividades anti-hipertensivas, antioxidantes, antimicrobianas, imunomoduladoras e anti trombóticas, como os presentes no iogurte que podem influenciar na capacidade de ligação de proteínas inibindo a atividade da enzima de conversão em angiotensina (ECA), demonstrando efeitos protetores contra hipertensão. Outros peptídeos bioativos apresentaram propriedades antioxidantes através de ativação de via de sinalização KEAP1-NRF2. Os peptídeos antimicrobianos, como as bacteriocinas, exercem função antagônica a microrganismos patogênicos, inibindo in situ ou deslocamento ou impedindo a comunicação ou auxiliando na colonização de produtores de bacteriocinas que contribuem para melhorar a barreira intestinal, secreção de AMPs e regulando a inflamação. Outros peptídeos bioativos presentes no missô e shoyu, como a piroglutamila, podem levar a superexpressão de genes do hospedeiro, como os para AMPs, defensina, lisozima e mucina, exercendo proteção contra hepatite e colite.

Alimentos fermentados podem conter ou gerar aminoácidos precursores e derivados com funções neuroativas ou imunomoduladoras, como serotonina, dopamina e noradrenalina no cacau; leveduras que sintetizam quinurenina, ácido cinurênico e melatonina na cerveja, pão e vinho tinto; e a produção de GABA. A ingestão de altas cargas de tiramina, histamina e triptamina pelas bactérias ácido láticas em queijos envelhecidos e carnes curadas, juntamente com a desintoxicação inadequada por monoamina (MAO) e diamina oxidases (DAO) no intestino de indivíduos com susceptibilidade genética, pode levar a entrada excessiva de aminas biogênicas na circulação sistêmica e ao excesso de secreção gástrica, liberação de adrenalina e noradrenalina, enxaqueca, elevação de açúcar no sangue e pressão arterial. Já as aminas secundárias podem ser citotóxicas, como putrescina e cadaverina, formar nitrosaminas cancerígenas, enquanto a tiramina pode levar a adesão de microrganismos patogênicos. Você pode verificar sua suscetibilidade genética para produção de enzimas de diaminas oxidases (DAO) e identificar a sua suscetibilidade à intolerância à histamina através do BioDiet Plus da Biogenetika

Os neuroquímicos podem influenciar o nervo vago e provocar respostas localizadas e/ou sistêmicas para modular o sono, humor, estresse, ansiedade, dor e fome. Os alimentos fermentados foram implicados na neuroproteção e imunomodulação através de aminoácidos como a glutamina, arginina, enxofrados que mantêm a integridade, crescimento e modulam a secreção de citocinas inflamatórias, células T e secreção de IgA no intestino.

Fermentados podem levar à biossíntese de vitaminas e minerais, como folato e riboflavina em laticínios fermentados; cobalamina em cereais, laticínios e soja fermentados; vitamina K (menaquinona) em queijos, natto, kimchi, kefir e pasta de soja chinesa fermentada; aumento da biodisponibilidade de minerais (cálcio, zinco, ferro e magnésio) através da produção de enzimas maltases, alfa-amilases, hemicelulases e fitases que inibem compostos anti nutritivos em alimentos como azeitonas fermentadas, chucrute, tarhana e boza.

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Figura 1. Mecanismos de ação de componentes bioativos em alimentos fermentados.

Os ácidos orgânicos produzidos nos alimentos fermentados leva a acidificação do meio e inibe o crescimento de patógenos. O ácido lático reduz as espécies reativas de oxigênio nos enterócitos intestinais, além de atuar como fonte de ácidos graxos de cadeia curta para a microbiota intestinal. O ácido d-fenilático é um agonista bacteriano natural encontrado em kimchi e chucrute, pode modular respostas imunes e promover resposta antiinflamatória e estimular adipócitos. O ácido oleico de azeitonas pode promover efeito protetor contra o câncer de cólon em humanos. A kombucha produz vários ácidos orgânicos e derivados que promovem crescimento de Bifidobacterium spp. no intestino, inibe o estresse oxidativo, dano renal induzido por diabetes e lesão hepática induzida por paracetamol. O ácido acético da kombucha ode ativar os mecanismos de ativação dos receptores FFAR2 levando ao aumento de GLP-1.

Os exopolissacarídeos são longos polímeros de mono ou oligossacarídeos benéficos à saúde.  Podem ser constituídos de polímeros iguais ou diferentes o que confere funções diferentes, resistem à digestão do hospedeiro e são fermentados no intestino por microrganismos, e estão presentes no kefir. Podem modular a produção de citocinas, inibir patógenos ou a adesão de patógenos ao epitélio intestinal, suprimir inflamação, promover integridade de barreira, agir como antioxidante, facilitar controle de peso, melhorar constipação, inibir proliferação de células cancerígenas no estômago ou no cólon.

Os compostos fenólicos, como flavonóides, ácidos fenólicos e taninos são transformados na fermentação aumentando sua biodisponibilidade ativando suas respostas de regulação de estresse oxidativo, expressão de enzimas antioxidantes e desintoxicantes, como na kombucha de chá verde e chá preto, as catequinas, teaflavinas, tearubiginas. A kombucha de chá preto apresentou maior capacidade antioxidante, enquanto a do chá verde atividade antibacteriana e propriedades anticancerígenas. O ácido ferúlico do arroz e farelo de trigo é enriquecido após a fermentação. As isoflavonas da soja são hidrolisadas na fermentação do sufu, douchi, miso, natto, outros levando ao aumento de concentração, melhorando sua absorção intestinal e efetividade, melhorando motilidade, contratilidade e funções secretoras intestinais.

Remoção fermentativa de compostos indesejáveis: micotoxinas, lactose, FODMAPs, glúten, ácido fítico

A fermentação pode remover compostos indesejáveis dos alimentos, melhorando a qualidade e a segurança dos alimentos.

As micotoxinas produzidas por fungos provocam efeitos agudos, como toxicidade e podem levar à morte, ou efeitos crônicos, como defeitos de crescimento, imunossupressão, mutagenicidade e carcinogenicidade. Na fermentação algumas micotoxinas podem ser reduzidas ou removidas. 

Os alimentos fermentados possuem menor teor de FODMAPs (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis), mesmo que os alimentos crus sejam ricos, como por exemplo grão de bico e soja. A remoção de compostos, como a lactose na fermentação dos produtos lácteos e os frutanos no trigo melhoram a tolerabilidade deste alimento, facilitando o consumo por indivíduos intolerantes a partir destes alimentos fermentados. A fermentação de farinhas de trigo reduzem o teor de glúten e a fermentação otimizada (condições, estirpes microbianas e proteases selecionadas) pode produzir produtos permitidos para indivíduos celíacos. A fermentação da soja também elimina os inibidores de tripsina. O ácido fítico quela cátions de ferro e zinco reduzindo sua absorção no intestino e a fermentação pode degradá-los.

Cuidar da sua nutrição com alimentos saudáveis e fermentados garante maior longevidade, aumenta sua qualidade de vida e disposição. Associe o cuidado alimentar com o conhecimento da sua genética e microbioma intestinal para ter mais assertividade do cuidado integral da sua saúde.

Com a tecnologia de análise do microbioma intestinal por shotgun para conhecer a abundância, diversidade e vias bioquímicas de bactérias e fungos ou por 16S para conhecer profundamente as bactérias intestinais. A Biogenetika disponibiliza estes dados em detalhes e de forma prática direciona a modulação intestinal através da indicação individualizada de alimentos, suplementos e probióticos específicos para o perfil de microbioma intestinal analisado. Venha fazer parte deste time seleto. É o futuro agora!

REFERÊNCIAS

 MUKHERJEE, Arghya; BRESELGE, Samuel; DIMIDI, Eirini; MARCO, Maria L.; COTTER, Paul D.. Fermented foods and gastrointestinal health: underlying mechanisms. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology, [S.L.], v. 21, n. 4, p. 248-266, 11 dez. 2023. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41575-023-00869-x.