Para entendermos essa diferença precisamos iniciar entendendo o que é o câncer. Por definição, o câncer é um conjunto de doenças causadas por alterações nos genes, mas não em qualquer gene, e sim naqueles que controlam a forma como as nossas células funcionam, especialmente como elas crescem e se dividem. Essas alterações podem ocorrer por diversos fatores, como por exemplo: erros que ocorrem à medida que as células se dividem; danos ao DNA causados por substâncias nocivas no meio ambiente, como os produtos químicos da fumaça do cigarro e os raios ultravioleta do sol; alterações epigenéticas; mas elas também podem ter sido herdadas de nossos pais.

Dessa forma existe uma diferença essencial entre os termos “genético” e “hereditário” no contexto do câncer, e é importante esclarecer isso. E por quê? Porque embora “genético” e “hereditário” sejam termos frequentemente utilizados como sinônimos no contexto do câncer, eles se referem a processos distintos, e compreender essa diferença é essencial tanto para profissionais da saúde quanto para pacientes, pois pode influenciar o diagnóstico, o prognóstico e o mais importante, as estratégias de prevenção.

Todo câncer é, por definição, uma doença genética, pois ele resulta de alterações na sequência de DNA nas nossas células. No entanto, o câncer raramente é uma doença hereditária, pois ele não pode ser transmitido de pais para filhos.

Câncer genético e hereditário

Quando dizemos que o câncer é 100% genético, estamos nos referindo ao fato de que todo câncer é causado por mudanças no material genético das nossas células, mais especificamente nos genes, e se quisermos ser mais específicos ainda, em algumas classes de genes. Essas mudanças são adquiridas ao longo da nossa vida por exposição a fatores de risco como o tabagismo, a radiação ultravioleta, substâncias químicas e infecções virais e não são transmitidas aos filhos pois elas afetam apenas as células onde ocorrem. Exemplos incluem o câncer de pele do tipo não melanoma, que pode surgir após exposição prolongada ao sol, ou o câncer de pulmão, associado ao tabagismo. Portanto, o termo “genético” neste contexto refere-se ao fato de que o câncer é impulsionado por alterações no material genético da célula, mas não implica que ele foi herdado dos pais.

Quando falamos que o câncer é raramente hereditário, é porque a grande maioria dos casos de câncer que ocorrem na população é do tipo esporádico, ou seja, resultado da interação do nosso material genético com fatores ambientais, na ausência de história familiar significativa para um dado tipo de tumor. Hoje sabemos que cerca de 20 a 30% dos pacientes com câncer têm alguma história familiar, sem, contudo, haver a identificação de um padrão hereditário bem definido. E que apenas 5 a 10% de todos os diagnósticos de câncer decorrem da existência de alterações genéticas herdadas, e que, portanto, conferem maior predisposição ao desenvolvimento de um ou mais tumores.

Embora a maioria dos tipos de câncer não possa ser transmitida de geração para geração, algumas mutações genéticas que aumentam o risco de desenvolver câncer podem sim ser herdadas. Essas alterações hereditárias são aquelas que ocorrem em um gameta (óvulo ou espermatozóide) ou células que produzem gametas (células germinativas). Dessa forma, o embrião e o bebê resultantes terão a alteração em todas as células do seu corpo que contêm uma cópia do genoma, incluindo as células que produzem os seus próprios gametas. Dessa forma as alterações no DNA são transmitidas aos seus descendentes, que por sua vez poderiam transmiti-las aos seus descendentes e assim por diante. As células que não fazem parte da linha germinativa são chamadas de células somáticas, e quaisquer alterações no DNA que ocorrem dentro dessas células são conhecidas como alterações somáticas. Essas alterações não estão presentes em todas as células do corpo e não são transmitidas de pai para filho.

Doenças hereditárias, como a síndrome de Li-Fraumeni ou a mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, são exemplos conhecidos que aumentam o risco de diversos tipos de câncer, como mama e ovário. Neste caso, indivíduos com histórico familiar significativo podem se beneficiar de testes genéticos para identificar essas mutações e adotar medidas preventivas. Mas uma informação muito importante precisa ser dita nesses casos: Herdar uma alteração genética relacionada ao câncer não significa que você definitivamente terá câncer. Isso significa que o risco de desenvolver o câncer aumenta.
Compreender a distinção entre câncer genético e hereditário é fundamental para definir estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento personalizado. Nos casos hereditários, a identificação precoce pode permitir estratégias de vigilância e prevenção, como exames periódicos e intervenções cirúrgicas profiláticas. Além disso, pacientes com mutações hereditárias identificadas podem se beneficiar de um aconselhamento genético para orientar decisões familiares e reprodutivas.  Já nos casos de câncer genético adquirido (aqueles que ocorrem nas células somáticas) a ênfase está na prevenção primária e diagnóstico precoce, com campanhas de conscientização para evitar fatores de risco, como o tabagismo e a exposição excessiva ao sol.