Sódio: sensibilidade e excreção individual e seus impactos na saúde
Tanto a ingestão de sódio quanto a excreção urinária de sódio e potássio estão associadas à pressão arterial (PA) que é a principal causa modificável de morbidade e mortalidade para eventos cardiovasculares.
A ingestão excessiva de sal, além do efeito sobre a pressão arterial, também é um fator de risco independente para outras doenças cardiovasculares, renais, obesidade, asma, osteoporose e câncer de estômago. De forma oposta, estudos observacionais indicam que a redução de sal pode ser prejudicial para muitos indivíduos. Sendo assim compreender a suscetibilidade individual da ingestão e sensibilidade ao sal é importante para os desfechos em saúde, como demonstrado na Figura 1. Os mecanismos biológicos que ligam estas características não são exatamente claros portanto, ainda há muito a ser investigado.
Figura 1. Os caminhos para a ingestão de sal até os resultados clínicos. Figura retirada de Hunter et al. (2022). A ingestão de sal na dieta é determinada pelo teor de sal dos alimentos disponíveis e pelas escolhas alimentares individuais, que são influenciadas em parte pela preferência pelo sal, o desejo de comer sal na ausência de necessidade fisiológica. O balanço líquido de sal (ingestão menos excreção) determina o sal corporal total, que por sua vez determina a pressão arterial sistêmica. O gradiente da relação entre a ingestão de sal na dieta e a pressão arterial é denominado “sensibilidade ao sal”.
Globalmente, a ingestão média diária de sal varia em torno de 10 a 15g NaCl e excede muito as necessidades fisiológicas, sendo que a meta da Organização Mundial de Saúde é de menos de 5g de NaCl por dia. Acima de 10g de NaCl ao dia de ingestão de sal está positivamente relacionada à pressão arterial de acordo com grandes estudos populacionais, sendo que esta relação é mais acentuada em pacientes com hipertensão arterial sistêmica (HAS) do que nos normotensos. Além disso existe uma associação negativa robusta entre a ingestão de potássio e PA portanto, em caso de HAS pode ser recomendada maior ingestão diária de potássio e até uso de suplementação, exceto para os pacientes com doença renal crônica em estágio 4-5, onde pode não ser aconselhado.
O sódio e o potássio são vitais para a função celular e são normalmente trocados entre o espaço intra e extracelular usando bombas de sódio/potássio dependentes de ATP, que transportam ativamente o sódio para dentro e o potássio para fora da célula. Nos níveis celular e molecular, a alta ingestão de sódio leva à hipertrofia da musculatura lisa vascular, aumenta o estresse oxidativo e reduz o óxido nítrico, diminui o conteúdo de hialuronano aórtico e a complacência de grandes artérias. A elevada ingestão de sal também contribui para a resistência à terapia anti-hipertensiva.
Variações genéticas em genes dos sistemas renina-angiotensina (SRA), como AGT e ACE, e calicreína-cinina (KKS) têm sido implicadas na modulação da PA. O gene AGT codifica a proteína angiotensinogênio, que é secretada pelo fígado. No sangue, o angiotensinogênio é clivado pela renina para formar a angiotensina I, um peptídeo inativo. Polimorfismos para o gene AGT têm sido associados a níveis aumentados de angiotensinogênio no plasma e a maior atividade do SRA. Indivíduos com alelo G para o polimorfismo rs699 no gene AGT, apresentaram níveis mais elevados de PA sistólica (PAS) em comparação aos homozigotos AA, quando consomem maior quantidade de sal.
O gene ACE codifica a enzima conversora de angiotensina (ACE), que é responsável pela conversão da angiotensina I em angiotensina II, um potente vasoconstritor que aumenta a pressão arterial ao provocar constrição dos vasos sanguíneos e estimular a liberação de aldosterona. A aldosterona, por sua vez, promove a retenção de sódio nos rins, aumentando a pressão arterial. Uma variante comum associada à atividade desta enzima é o rs4343, que tem sido relacionada ao aumento da suscetibilidade à enxaqueca, hipertensão devido a uma dieta rica em gordura saturada, atividade da ECA, risco de hipertensão sensível ao sal, hipertensão, aterosclerose, adiposidade e PA, entre outros.
Em um grande estudo de associação genômica ampla, GWAS, verificou-se que a base genética da excreção urinária de sódio e potássio é altamente pleiotrópica, desta forma muitas vias podem estar envolvidas na sua regulação. Os polimorfismos genéticos mais fortemente associados à excreção de sódio e ao aumento de PA foram para os genes FGF21 (rs838133) e CYP1A1 (rs2472297). O gene CYP1A1 codifica uma enzima da superfamília do citocromo P450 envolvidas no metabolismo de medicamentos e síntese lipídica. Os achados implicaram forte covariação entre sódio, escolhas alimentares e PA. Este gene implicou alterações de PA tanto sistólicas quanto diastólicas.
O gene do fator de crescimento de fibroblastos, FGF21, um hormônio hepático com capacidade de controle no apetite e propriedades de controle de insulina, e que por sua atuação no núcleo paraventricular do hipotálamo foi relacionado à excreção de sódio, ao apetite por doces e preferência do consumo de sal. O alelo A do FGF21 (rs838133) está associado a maior ingestão de carboidratos, com predileção por alimentos açucarados, mas sem alteração significante na ingestão total de calorias. Este alelo também se associa a hipertensão. A presença do genótipo AA para este polimorfismo (rs888133) foi associada a maior ingestão de sódio, assim como maior consumo de vegetais e frutas, vitamina C e D, diferentemente do genótipo GG. O gene FGF21 pode estar ligado a um mecanismo adaptativo que regula o equilíbrio de sódio.
Estudos de análise de fenótipo cruzado verificaram que outras características podem ser associadas ao perfil genético de eliminação de sódio, como perfil antropométrico, inflamação, câncer, dieta, fatores de estilo de vida e características hematológicas. Houve uma contribuição compartilhada positiva para a excreção de sódio com a massa de água corporal e a frequência do consumo de álcool, obtendo uma relação negativa para o consumo de vinho tinto e branco e positiva com a ingestão de cerveja. Ainda, apoiado por evidências funcionais recentes que mostraram efeito direto do sódio no acúmulo de lipídios nos adipócitos, sugerindo que as vias envolvidas na regulação do sódio podem estar diretamente envolvidas no metabolismo lipídico.
Nestes estudos ficou claro que a associação de polimorfismos para excreção de sódio, por exemplo, com sal adicionado aos alimentos e ingestão alimentar de carne, café, água e álcool. Portanto fatores genéticos que envolvem resposta comportamental a estímulos podem afetar decisões dietéticas que eventualmente impactam a excreção urinária de sódio e potássio.
A sensibilidade ao sal se refere ao gradiente da relação entre a ingestão de sal e a pressão arterial. A classificação pode variar entre indivíduos que possuem PA sensível ao sal ou resistente ao sal. Com o BioDiet Plus e o BioNutrients da Biogenetika você dispõe desta e de outras análises que são fundamentais para a prática da saúde de forma integral nas diversas fases da vida.
*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerando impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.
REFERÊNCIAS
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