
Nutrigenética e Comportamento Alimentar: Como o DNA Pode Influenciar Escolhas e Hábitos Alimentares
A escolha alimentar é um processo complexo que pode impactar vários aspectos da saúde, incluindo a composição corporal. Inúmeros fatores podem influenciar as escolhas alimentares, incluindo o sabor dos alimentos, determinantes intrapessoais (percepções, crenças, atitudes e motivações), determinantes interpessoais (como pessoas significativas), determinantes sociais, culturais e ambientais (como a disponibilidade de alimentos, o mercado, etc.) e determinantes econômicos, e um dos fatores mais significativos é a genética.
A preferência alimentar inicia no desenvolvimento fetal, e os hábitos alimentares sofrem mudanças com o passar do tempo. O paladar é um dos determinantes mais cruciais das escolhas alimentares; no entanto, as percepções e preferências por diferentes sabores variam amplamente entre os indivíduos.
A sensibilidade gustativa é um fator importante no desenvolvimento de hábitos. Os cinco gostos humanos definidos são doce, azedo, amargo, salgado e umami, com um potencial sexto gosto, o gosto de gordura (“oleogustus”), reconhecido mais recentemente. Os compostos químicos presentes nos alimentos ativam receptores gustativos especializados, e esses receptores podem ser influenciados por variações genéticas, resultando em variações individuais no paladar e nas preferências. A percepção do amargo, doce e umami está associada aos receptores acoplados à proteína G, enquanto os sabores salgado e azedo são governados por canais iônicos.
Polimorfismos genéticos em genes envolvidos na percepção do paladar podem explicar muitas dessas variações interindividuais. As indicações iniciais do impacto genético nas preferências alimentares foram observadas por meio de investigações envolvendo famílias e gêmeos. Nas últimas décadas, o progresso significativo na genética molecular transformou a compreensão das variações individuais em vários aspectos do comportamento humano, principalmente com os estudos de Associação Genômica Ampla (GWAS). Esses avanços permitiram uma exploração mais profunda do envolvimento de loci gênicos específicos em percepções sensoriais, preferências alimentares, gosto ou desgosto, bem como hábitos relacionados à ingestão de alimentos em uma escala maior. Há um número relativamente grande de estudos que investigaram a associação entre polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) em diferentes genes. A seguir traremos alguns dos genes mais estudados.
Preferência pelo consumo de Macronutrientes
Variações no gene associado à obesidade (FTO) estão ligados às preferências alimentares em indivíduos sem problemas de saúde. O FTO é expresso no hipotálamo e tem sido indicado como influenciador da regulação do apetite e da ingestão alimentar, especialmente em crianças e adolescentes. O alelo A pode estar associado não apenas ao apetite em geral, mas também à preferência por grupos alimentares específicos.
Descobriram que portadores do alelo A relataram maior ingestão de alguns alimentos ricos em energia, como biscoitos, cereais, queijo, carnes com alto teor de gordura, sucos, sorvete e doces, mas também frutas, entretanto menor consumo de refrigerantes, sacarose e salgadinhos em comparação com portadores do alelo TT, tanto em homens quanto em mulheres. Ainda, os homozigotos AA tiveram ingestão proteica significativamente aumentada. Houve maior subnotificação de consumo de energia nos homozigotos AA do que entre os homozigotos TT. Esses resultados sugerem que algumas variantes do FTO podem aumentar o risco de obesidade, aumentando a tendência a consumir alimentos doces e altamente calóricos.
O gene do receptor de melanocortina-4 (MC4R) é expresso em vários locais do cérebro e tem sido implicado na mediação da maioria dos efeitos da melanocortina sobre a ingestão alimentar e o gasto energético. As variantes genéticas comuns próximas ao gene MC4R (rs17782313 e rs17700633) foram associadas ao aumento do risco de obesidade e resistência à insulina. A variante rs17782313 do MC4R, foi associada à alta ingestão de energia total e à ingestão elevada de gordura e proteína na dieta.
TAS2R38 e a preferência por alimentos amargos ou doces, salgados e gordurosos
Os genótipos para o receptor de sabor amargo 2 membro 38 (TAS2R38) foram substancialmente associados a uma maior preferência por sacarose e refeições e bebidas com sabor doce, incluindo cereais; óleos e vegetais. Em relação à ingestão alimentar, menor sensibilidade ao gosto amargo tem sido associada a maior aceitação e ingestão de alimentos com gosto amargo (vegetais brássicas, espinafre, café) bem como maior preferência por alimentos doces e gordurosos (gordura saturada).
Considerando que a ingestão total de gordura foi positivamente associada à ingestão energética, uma maior ingestão de SFA pode ser um indicador de um padrão de ingestão alimentar mais denso em energia e a desinibição alimentar. Indivíduos que possuíam o genótipo TAS2R38 AVI/AVI (não degustador) exibiram uma maior preferência por vegetais do tipo brássica. Além disso, eles descobriram que tanto os indivíduos PAV/PAV quanto os indivíduos AVI/AVI consumiram mais vegetais totais e vegetais do tipo brássica do que os indivíduos portadores de PAV/AVI. O SNP RS713598 do gene TAS2R38 estava associado a uma maior preferência por cerveja. Além disso, uma associação significativa foi demonstrada entre SNPs relacionados ao gene TAS2R e o gosto por café.
Algumas estratégias podem ser adotadas para amenizar o desconforto com o sabor amargo e melhorar o consumo de vegetais amargos:
1. Misturar com alimentos mais doces ou suaves
- Combine com frutas (ex: bater couve ou rúcula com abacaxi, maçã ou laranja em sucos verdes).
- Misture com legumes adocicados como cenoura, abóbora ou beterraba.
- Acrescente cebola caramelizada, que suaviza sabores fortes.
2. Usar temperos e ervas aromáticas
- Alho, gengibre, limão, azeite, vinagre balsâmico, orégano e manjericão ajudam a equilibrar o amargor.
- Molhos bem temperados (ex: mostarda e mel, tahine com limão, chimichurri) também são ótimos.
3. Cozinhar ou grelhar os alimentos
- O calor altera compostos amargos e pode suavizar o sabor.
- Assar folhas como couve ou brócolis pode deixá-las crocantes e menos amargas.
4. Cortar o amargor com gordura
- Gorduras boas como azeite de oliva, abacate ou oleaginosas ajudam a disfarçar o gosto.
- Refogar em azeite com alho pode melhorar bastante o sabor.
5. Consumir em pequenas quantidades
- Comece com porções bem pequenas e vá aumentando gradualmente para acostumar o paladar.
6. Usar em preparações onde o amargor seja diluído
- Misturar em omeletes, tortas, sopas, arroz, massas ou panquecas.
- Em smoothies com banana e mel, por exemplo, o gosto amargo quase desaparece.
7. Desidratar ou fazer chips
- Couve, por exemplo, vira chips crocantes no forno com azeite e sal — mais leves no sabor e muito agradáveis.
Preferência por alimentos não saudáveis:
Wallace et al. conduziram um estudo transversal para explorar a ligação entre o gene da catecol-O-metiltransferase (COMT) relacionada à dopamina e o apelo por alimentos “não saudáveis”. O estudo descobriu que indivíduos com genótipos Val/Val (COMT rápida) e Val/Met (COMT intermediária) do gene COMT demonstraram maior desejo por alimentos “não saudáveis” objetivamente identificados em comparação com aqueles com o genótipo Met/Met, refletindo a diminuição do controle inibitório na desejabilidade alimentar. A privação de sono também demonstrou aumentar a desejabilidade alimentar por alimentos altamente palatáveis, coincidindo com a diminuição da ativação das regiões frontais, incluindo o giro frontal médio.
A dopamina tem sido associada a processos gerais de tomada de decisão, com a sinalização ideal de dopamina entre o córtex pré-frontal (CPF) e as regiões estriatais promovendo estabilidade cognitiva, bem como flexibilidade durante comportamentos direcionados a objetivos. A atividade enzimática da COMT é responsável por aproximadamente 60% do turnover dopaminérgico no CPF, em comparação com 15% no estriado, e a inibição da enzima COMT demonstrou aumentar especificamente a liberação de dopamina no CPF, foi levantada a hipótese de que o genótipo val/val da COMT corresponde a uma menor concentração dopaminérgica endógena, particularmente no CPF. A sinalização dopaminérgica está envolvida na inibição comportamental, com aberrações no controle inibitório correspondendo a diversas condições de impulsividade. O papel da dopamina é extensivamente documentado na regulação do peso e na ingestão alimentar em modelos animais e humanos. Usando uma tarefa semelhante de desejabilidade alimentar, o envolvimento do córtex frontal e das regiões estriatais dorsais também foi demonstrado o aumento da desejabilidade de alimentos altamente palatáveis.

A variante val/val associada a maior atividade enzimática em humanos (ou seja, maior degradação de dopamina – COMT rápida). Em termos comportamentais, o status genotípico da variante val tem sido associado à diminuição das funções cognitivas em humanos, maior comportamento impulsivo e maior busca por novidades e recompensas. Há associacão com o comportamento de bulimia nervosa, prevalência de aumento na composição de gordura corporal total, circunferência da cintura maior e são mais suscetíveis ao diabetes tipo 2, tipicamente relacionado à obesidade. Crianças val/val tinham ingestão significativamente maior de alimentos gordurosos (ou seja, alimentos ricos em lipídios), enquanto outro estudo descobriu que val/val em combinação com o status de portador do transportador de dopamina (DAT1) 9+ correspondia a maiores episódios de compulsão alimentar.
Quanto maior a atividade da COMT, maior metilação de catecois, redução dos níveis de dopamina, redução de metionina e SAMe, com aumento de homocisteína. Magnésio é essencial para metilação do catecol. Flavonóis, flavonas, catequinas e constituintes do café apresentam ação inibitória da COMT.
Algumas estratégias podem ser adotadas para inibição da COMT:
- Fitoterápicos:
Callendula officinalis: Em pó 200 a 600mg até 2x/dia (folhas – glicosídeos de quercetina) – capitulos florais 1-4g (infusão); tintura 0.3-1.2 mL (1:5 em etanol 90%) três vezes ao dia. Quercetina (500mg)
Catequinas do Chá verde: (750mg de epigalocatequina-3-galato EGCG)
Outros: café, SAM (s-adenosilmetionina), metionina, flavonas e flavonóis,
Flavonóis, flavonas, catequinas e constituintes do café possuem ação inibitória da COMT
- Nutrientes:
Magnésio treonato ou magnésio pidolato (essencial para metilação do catecol) – Magnésio é neuroprotetor contra excitotoxicidade e morte neuronal (antagonista NMDA-R), potencializa sinalização GABA, controla condução nervosa a transmissão neuromuscular, previne o estresse oxidativo e regula negativamente os mediadores inflamatórios, aumenta nível de BDNF. O uso de Mg pidolato ativa estas proteções mesmo não ultrapassando a BHE.
Doses entre 200 a 400mg/dia
- Agonistas naturais de dopamina:
- Alimentos ricos em tirosina:
A tirosina é um aminoácido que serve como precursor da dopamina. Alimentos como ovos, peixe, carnes, feijão, nozes, laticínios e soja são boas fontes de tirosina.
- Exercícios físicos:
A atividade física pode estimular a liberação de dopamina no cérebro, contribuindo para o aumento do humor e da motivação.
- Meditação:
A meditação e outras práticas de mindfulness podem ajudar a regular a produção de dopamina e melhorar a sensação de bem-estar.
- Exposição à luz solar:
A luz solar pode influenciar a produção de dopamina e outros neurotransmissores, contribuindo para o bem-estar e a energia.
- Atividades prazerosas:
Realizar atividades que proporcionem prazer e satisfação, como ouvir música, ler, pintar ou cozinhar, pode levar à liberação de dopamina.
- Sono de qualidade:
Dormir bem é essencial para a regularização da dopamina e outros neurotransmissores, contribuindo para o equilíbrio do humor e da energia.
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