A vitamina K é uma vitamina lipossolúvel essencial para a coagulação do sangue e formação óssea. É encontrada em duas formas, K1 (filoquinona) e K2 (menaquinona), a primeira é sintetizada por plantas de folhas verdes (couve, espinafre) e a segunda em alimentos fermentados e carnes. Esta vitamina é uma coenzima necessária para a γ-carboxilação de três resíduos de ácido glutâmico (Glu) na osteocalcina, convertendo-os em ácido gama-carboxiglutâmico (Gla) como parte do ciclo da vitamina. 

A enzima subunidade 1 do complexo epóxido redutase da vitamina K (VKORC1) é a enzima que medeia a interconversão cíclica de metabólitos da vitamina K e é uma etapa limitante da taxa de γ-carboxilação das proteínas dependentes de vitamina K (VKDPs) no fígado. VKORC1, recicla especificamente o 2,3-epóxido de vitamina K para a hidroquinona de vitamina K. As VKDPs desempenham um papel crítico na ativação da cascata de coagulação. Estas proteínas são sintetizadas em sua forma não carboxilada, sendo carboxilada na presença de vitamina K após a tradução, e apenas desta forma podem inibir a calcificação vascular e a calcificação das cartilagens.

A diagram of a complex of vitamins

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Figura 1. O ciclo da vitamina K: carboxilação de proteínas dependentes de vitamina K.

Cinco polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) para VKORC1 (rs9934438, rs9923231, rs8050894, rs2359612 e rs7294) foram encontrados em forte desequilíbrio de ligação, indicando que qualquer um deles poderia refletir haplótipos VKORC1, estando relacionados à função desta enzima. O polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) rs8050894 foi relacionado à atividade enzimática desta enzima, e está prevista como sendo mais baixa no grupo CC. A atividade reduzida desta enzima foi associada ao aumento da calcificação aórtica. O envolvimento de VKDPs na regulação da calcificação extraóssea em humanos está recebendo reconhecimento crescente. 

Alguns estudos sugerem que variações de sequência no gene que codifica a VKORC1 servem como novos marcadores de risco genético para a ocorrência de eventos cardiovasculares e trombóticos. Presume-se que esse efeito seja baseado em efeitos dependentes de VKORC1 no aumento dos níveis de proteínas de coagulação carboxiladas, que promovem trombose. 

A proteína Gla da matriz, uma VKDP sintetizada pela parede vascular e cartilagem, funciona como um inibidor da calcificação e pode ser essencial para a regulação da calcificação extraóssea em humanos. A calcificação pode ocorrer na íntima da parede arterial em associação com aterosclerose ou dentro da camada média. A atividade de ligação de cálcio dos VKDPs depende da γ-carboxilação mediada pela vitamina K de resíduos Glu específicos. Portanto, quando as proteínas estão subcarboxiladas exercem menor atividade de ligação do cálcio, o que aumenta o risco de calcificação vascular. 

O medicamento anticoagulante varfarina antagoniza a carboxilação de proteínas de coagulação, tendo como alvo a VKORC1 e bloqueia efetivamente a reciclagem da vitamina K, portanto bloqueia o processo de coagulação do sangue. Está bem estabelecido que as variantes genéticas da VKORC1 estão associadas à modificação na dosagem de varfarina entre vários grupos étnicos. A varfarina torna as outras proteínas VKDPs, em tecidos extra-hepáticos, menos funcionais. Em estudos animais altas doses de varfarina induziram à maior calcificação vascular enquanto reduzem a coagulação.

Em um estudo prospectivo com 200 indivíduos, relacionaram o polimorfismo para VKORC1 com o risco de calcificação da artéria coronária (CAC) em indivíduos com doença renal crônica (DRC). O genótipo CC está associado à diminuição dos requisitos de varfarina e é um fator de risco não modificável para a calcificação da artéria coronária (CAC) e sua progressão e mortalidade em pacientes com DRC são baseadas na baixa atividade vitalícia do ciclo da vitamina K. De forma antagônica, neste estudo encontraram que indivíduos com DRC estágio 3 a 5 que têm 1 SNP de VKORC1 (rs8050894 genótipo CG/GG) têm uma carga aumentada de CAC basal, um risco aumentado de progressão de CAC e morte em ≤4 anos de acompanhamento. O grupo do genótipo CC (haplótipo A) foi associado a pontuações medianas de CAC não ajustadas mais baixas no início do estudo e menor progressão de CAC ao longo do tempo. O que pode explicar esta questão é que encontraram níveis mais elevados de atividade de fator FVII (fFVII) da coagulação em portadores do genótipo CG/GG, sugerindo que as ligações entre doenças cardiovasculares e VKORC1 podem ser mediadas principalmente por vias pró-trombóticas e pró-ateroscleróticas, onde o aumento de VKORC1 dos VKDPs envolvidos na cascata de coagulação aumentariam os fatores pró-coagulantes. Altos níveis de fFVII foram associados à espessura da carótida e ao risco de eventos cardiovasculares em alguns trabalhos. Ainda, os pacientes portadores de DRC apresentaram fortes evidências de apresentarem deficiência subclínica de vitamina K e aumento de VKDP subcarboxilada, agravando conforme a doença avança nos estágios.

As variantes comuns da VKORC1 são associadas aos níveis de vitamina K. o polimorfismo rs8050894 foi associado significativamente aos níveis de vitamina K no estudo NHANES, conduzido em mais de 5 mil indivíduos, pelo National Center for Health Statistics (NCHS) nos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nos Estados Unidos. Outro estudo encontrou associação entre os níveis de filoquinona plasmática e rs8050894 em 416 homens e mulheres mais velhos (60-80 anos), principalmente de ascendência europeia. Nestes estudos, os níveis de vitamina K são de filoquinona (K1), com menores níveis para o genótipo CC de rs8050894 e portadores do alelo T para rs7294. Portadores do alelo G para rs8050894 apresentam maiores níveis de filoquinona.

Altas doses de vitamina K1 podem neutralizar o efeito das cumarinas (varfarina) nos fatores de coagulação no fígado, mas não no tecido extra-hepático. No tecido extra-hepático, apenas a vitamina K2 foi capaz de inibir a calcificação arterial induzida pela varfarina. Isso implica efeitos diferentes da atividade de VKORC1 e da ingestão de vitamina K1 e K2 nos fatores de coagulação como proteínas hepáticas e nas proteínas extra-hepáticas, como VKDPs. 

Portanto, é improvável que uma funcionalidade diminuída da enzima VKORC1 influencie os fatores de coagulação e a hemostasia em pessoas com ingestão normal de vitamina K1 e que não usam cumarinas. No entanto, uma atividade diminuída ao longo da vida da enzima VKORC1 pode prejudicar a atividade da VKDPs e, com isso, aumentar o risco de calcificação vascular. Isso pode ser ainda piorado pela ingestão reduzida de vitamina K2. 

A suplementação de filoquinona (K1) reduziu a progressão do CAC ao longo de 3 anos, em comparação com o placebo em adultos. Também a suplementação de MK7 (K2) melhorou a rigidez arterial em um grupo de mulheres com artérias mais rígidas. Portanto, ajustes na alimentação e suplementação de vitamina K podem exercer função protetora para quem possui os polimorfismos de menor função para VKORC1, reduzindo a formação de CAC. 

Os exames bioquímicos para verificar os níveis de vitamina K são os níveis de filoquinona (usando HPLC – High-Performance Liquid Chromatography – de fase reversa) e para a atividade da vitamina K nos tecidos, a relação entre osteocalcina desfosforilada e não carboxilada sérica/osteocalcina intacta total.

O teste genético BioNutrientes da Biogenetika faz a análise dos polimorfismos do VKORK1 e indica a tendência dos níveis de vitamina K oferecendo aos clientes e profissionais uma abordagem de saúde preventiva e individualizada.

*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerar impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.

REFERÊNCIAS

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