
Esclerose múltipla: risco poligênico e medidas preventivas
A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória, neurodegenerativa e desmielinizante do sistema nervoso central. É marcada por um processo autoimune que leva à ruptura da barreira hematoencefálica, inflamação perivascular, lesão da bainha de mielina, dano axonal e perda neuronal progressiva, portanto a progressão clínica reflete processos inflamatórios e neurodegenerativos. Na maioria dos pacientes, o curso da doença é inicialmente caracterizado por exacerbações clínicas (conhecidas como ataques ou recaídas) associadas ao desenvolvimento de lesões desmielinizantes do SNC. Embora as alterações degenerativas possam começar no início do curso da doença, acredita-se que a neurodegeneração seja a base principal da deterioração neurológica progressiva que ocorre em estágios posteriores da doença.
É o distúrbio neurológico mais comum em adultos jovens, especialmente mulheres, ocorrendo geralmente entre 20 e 40 anos, embora de 3 a 5% de todos os casos ocorra antes dos 16 anos (início precoce) e de 3,4 a 12,7% após os 50 anos (início tardio). Sua natureza multifatorial ainda não foi totalmente elucidada, mas uma desregulação imunológica, causada pela interação de suscetibilidade genética e fatores ambientais (geográficos, infecciosos e/ou nutricionais, tabagismo), parece central para explicar sua etiopatogenia.
A EM é uma doença cujos componentes genéticos envolvem diversos genes, sendo assim para desbravar a suscetibilidade genética a melhor abordagem é utilizar o escore de risco poligênico (PRS), pois combina todos os efeitos genéticos em uma única métrica de suscetibilidade herdada com múltiplas aplicações potenciais importantes, como para facilitar o diagnóstico precoce e a implementação de intervenções preventivas ou terapêuticas. No Poligenika são avaliadas 476.399 variantes genômicas para estimar o risco.
Quanto aos fatores ambientais capazes de influenciar o desencadear e a progressão da doença, nutrientes e dietas especiais que podem modular os componentes da cascata inflamatória em nível molecular tem ganhado atenção especial. Estudos epidemiológicos mostram a incidência aumentada de EM em populações com alta ingestão de gorduras saturadas, gorduras lácteas, carne vermelha, baixos níveis de vitamina D e lipopolissacarídeos (LPS). Há algumas evidências de que o fator nuclear-kB (NF-κB) e a proteína ativadora-1 (AP-1), dois principais fatores de transcrição pró-inflamatórios envolvidos na indução de células T, são ativados na EM determinando a superexpressão de produtos pró-inflamatórios, como visto na figura 1. Como consequência, a inflamação, a degradação da matriz extracelular, a angiogênese e o estresse oxidativo podem ser despertados e/ou aumentados.
Figura 1. Esboço da interação molecular entre hábitos alimentares e o sistema regulador imunológico relacionado à patogênese da esclerose múltipla.
O receptor ativado por proliferador de peroxissomo (PPARα, β/δ e γ) representa outro grupo de receptores nucleares que regulam o processo inflamatório interagindo com NF-κB, AP-1 e nutrientes. Cada membro da família, sendo um modulador da homeostase energética, desempenha um papel distinto no metabolismo lipídico (eles são ativados por ácidos graxos, derivados de ácidos graxos e compostos sintéticos) e regula negativamente as atividades de NF-κB e AP-1, integrando a sinalização metabólica e inflamatória no nível transcricional.
A execução de dieta feita em ciclos que imitam o jejum, com aporte total muito baixo em caloria e proteína, pode atenuar a desmielinização, o dano axonal e a gravidade da doença, modulando a resposta inflamatória, ativando oligodendrócitos, reduzindo Th1, Th17 e citocinas pró-inflamatórias. O hormônio leptina, derivado de adipócitos e que regula o gasto energético, tem sido relacionado como um potencial mediador metabólico envolvido na patogênese da EM. A deficiência de leptina, relacionada à inanição aguda, tem sido associada à diminuição da secreção de citocinas pró-inflamatórias em modelos animais.
Em humanos, a hiperleptinemia tem sido relacionada a condições pró-inflamatórias e autoimunidade. Em pacientes com EM sem tratamento prévio, níveis aumentados de leptina foram observados no soro e no líquido cefalorraquidiano (LCR). Um aumento relacionado à dieta na massa de adipócitos, por meio da hipersecreção de leptina, pode prejudicar o equilíbrio imunológico (T-efetoras versus T-reguladoras) promovendo um estado pró-inflamatório e autoimunidade mediada por células.
Embora o impacto da dieta na patogênese da EM ainda seja debatido, é bastante evidente que alguns sintomas relacionados à doença podem interferir na nutrição. Em particular, fadiga, depressão, declínio cognitivo, problemas de deglutição, restrições de mobilidade e alto nível de incapacidade podem afetar a nutrição adequada, prejudicando o preparo das refeições e a alimentação. O equilíbrio entre o consumo energético é essencial para evitar condições extremas, como a desnutrição e a obesidade em indivíduos suscetíveis e já acometidos com EM.
O consumo aumentado de vegetais, nozes e peixes, ricos em ácidos graxos poliinsaturados Ω-6 e Ω-3 (PUFAs), butirato e exercícios físicos foram associados a um risco reduzido de EM. A suplementação com ácido linolênico (ALA, ômega-3) mostrou efeito positivo, com redução de duração e gravidade de recaída, em pacientes com EM com incapacidade leve e curta duração da doença. A dieta com padrão mediterrâneo combinada com suplementação com vitamina D e ômega-3 tem sido associada a um menor estado inflamatório sistêmico para indivíduos com EM.
Outros nutrientes são essenciais na EM, como a vitamina B12. A deficiência de B12 pode levar à desmielinização e lesão axonal. Com base em uma patogênese autoimune compartilhada entre algumas formas de deficiência de B12 e EM, em distúrbios desmielinizantes ocorre uma demanda aumentada de B12 para o processo de remielinização. Desta forma o status de vitamina B12 deve ser mantido adequado.
Um estudo investigou o uso de altas doses de biotina (300 mg/dia), administradas por uma duração média de 9 meses, e viram que a vitamina pode exercer benefícios na progressão da incapacidade na EM. A biotina serve como uma coenzima em reações de carboxilação envolvidas em vias metabólicas de energia. Apesar desses resultados encorajadores, o mecanismo de ação da biotina deve ser elucidado em estudos pré-clínicos e a eficácia e segurança da biotina em altas doses na EM progressiva precisam ser confirmadas em coortes maiores de pacientes.
Componentes antioxidantes, como os polifenóis (luteolina, quercetina, curcumina, epigalocatequina-3-galato e resveratrol), vitaminas antioxidantes (A, C e E), ácido alfa-lipóico e Ginkgo biloba foram investigados em uma revisão sistemática sobre os efeitos em EM.
A vitamina A é necessária para manter a visão normal, as funções imunológicas e a manutenção da integridade epitelial, síntese de glóbulos vermelhos, entre outras funções. Há evidências do papel da vitamina A na modulação da imunidade humoral e mediada por células. Vários estudos demonstraram que o ácido retinóico in vivo inibiu as respostas inflamatórias e melhorou uma variedade de doenças autoimunes em modelos animais, incluindo EM provavelmente suprimindo a diferenciação Th17 e induzindo células T-reg. O uso de doses altas de vitamina A (25 mil UI por 6 meses e após 10 mil UI por mais 6 meses) em pacientes com EM auxiliaram na fadiga e depressão.
Resultados significativos foram observados com epigalocatequina-3-galato (contido em folhas secas de chá branco, chá verde, maçã, ameixas, cebolas, avelãs, etc.), ácido alfa-lipóico (em carne vermelha alimentada com capim, fígado, coração, batatas, brócolis, espinafre, etc.), resveratrol (em amendoim, videiras e vinho tinto) e vitamina E (em óleo de plantas, amêndoas, avelãs, sementes de girassol, amendoim, etc.). Alguns experimentos de EAE com curcumina (principal componente do tempero indiano cúrcuma) mostraram efeitos anti-inflamatórios consistentes. Esses compostos parecem exercer efeitos antioxidantes/anti-inflamatórios, com redução da desmielinização e lesão axonal, provavelmente por meio de uma indução ativa da regeneração da mielina e neuroproteção contra danos inflamatórios.
O Poligenika traz a análise de risco poligênico para esclerose múltipla, ferramenta valiosa paracuidado integral da saúde. Este teste oferece um caminho para a medicina de precisão, adaptando condutas de estilo de vida para trabalhar a prevencão, além de direcionando rastreio diagnóstico precoce e tratamentos de acordo com as características genéticas individuais, melhorando assim os resultados e trazendo mais qualidade de vida.
*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerando impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.
REFERÊNCIAS
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