
Transtorno de ansiedade e o receptor do hormônio liberador de corticotropina (CRFR1)
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) os transtornos de ansiedade são os transtornos mais comuns do mundo, afetando 301 milhões de pessoas no mundo em 2019, em torno de 4% da população global, sendo que as mulheres são mais afetadas do que os homens, sendo que os sintomas geralmente começam na infância ou adolescência e continuam na idade adulta. Embora existam tratamentos eficazes, apenas 1 em cada 4 pessoas com o transtorno recebem algum tratamento. O transtorno de ansiedade aumenta o risco de depressão e transtornos por uso de substâncias, bem como pensamento suicida.
Qualquer pessoa pode apresentar transtorno de ansiedade, mas pessoas que passam por abusos, perdas severas ou experiências adversas são mais propensas a desenvolver. Os sintomas de transtorno de ansiedade são o medo excessivo ou preocupação sobre uma situação específica (por exemplo, um ataque de pânico ou situação social), ou no caso de transtorno de ansiedade generalizada, sobre uma ampla gama de situações cotidianas. Normalmente estes sintomas são sentidos por um longo período, vários meses, com evitação de situações que levem a ansiedade. Além destes sintomas há dificuldade de concentração ou tomada de decisões; sensação de irritação, tensão ou inquietação; náusea ou desconforto abdominal; palpitações cardíacas; sudorese, tremores; dificuldade para dormir; sensação de perigo iminente; tensão física, hiperatividade do sistema nervoso, uso prejudicial de álcool.
Existem alguns tipos diferentes de transtorno de ansiedade: a) transtorno de ansiedade generalizada: preocupação persistente e excessiva sobre atividades ou eventos diários; b) transtorno do pânico: ataques de pânico e medo de ataques de pânico contínuos; c) transtorno de ansiedade social: altos níveis de medo e preocupação sobre situações sociais que podem fazer a pessoa se sentir humilhada, envergonhada ou rejeitada; d) agorafobia: medo excessivo, preocupação e evitação de situações que podem fazer uma pessoa entrar em pânico ou se sentir presa, desamparada ou envergonhada; e) transtorno de ansiedade de separação: medo excessivo ou preocupação sobre ser separada de pessoas com as quais a pessoa tem um vínculo emocional profundo; f) fobias específicas: medos intensos e irracionais de objetos ou situações específicas que levam a comportamento de evitação e sofrimento significativo; g) mutismo seletivo: incapacidade consistente de falar em certas situações sociais, apesar da capacidade de falar confortavelmente em outros ambientes, afetando principalmente crianças. As pessoas podem experimentar mais de um transtorno simultaneamente. O tratamento inclui intervenções psicológicas, medicamentosas e o autocuidado com rotina de exercícios, hábitos alimentares saudáveis, rotina de sono, relaxamento e respiração, meditação, entre outros.

Os transtornos de ansiedade resultam de uma interação complexa de fatores sociais, psicológicos e biológicos, incluindo a genética. A desregulação do eixo HPA, resultando em níveis alterados de glicocorticoides basais e induzidos pelo estresse (cortisol e corticosterona) está implicado na ansiedade. Níveis de cortisol ao despertar pela manhã foram maiores em indivíduos com transtorno de ansiedade em comparação com os sem. Ainda o estresse agudo e crônico pode levar ao aumento da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), resultando na liberação de hormônios glicocorticoides e no aumento da ansiedade.
Acredita-se que a ansiedade seja parcialmente mediada pela ligação do fator liberador de corticotropina (CRF) ao receptor do hormônio liberador de corticotropina (CRFR1) no sistema límbico, principalmente na amígdala, mas também hipotálamo, cerebelo, hipófise e córtex cerebral. O CRF hipotalâmico é importante para a iniciação do eixo HPA, enquanto o CRF no sistema límbico é importante para as respostas autonômicas (simpático) e comportamentais ao estresse, e está envolvido no medo e ansiedade. O CRF hipotalâmico e límbico são regulados independentemente, mas a saída do eixo HPA pode potencializar o efeito do CRF límbico, pois a ligação do glicocorticoide na amígdala aumenta as concentrações de CRF nessa área, fornecendo uma possível ligação entre glicocorticóides circulantes elevados, CRF e ansiedade.
Evidências recentes sugerem que polimorfismos de nucleotídeo único (SPNs) relacionados ao CRF podem ajudar a explicar o risco e a resiliência. O rs110402 para o gene CRFR1, sendo a variante A foi associado à responsividade do eixo HPA, impacto do trauma infantil no afeto adulto e ansiedade. O CRF desempenha um papel central na ligação do eixo HPA, do sistema endocanabinóide e da amígdala com a ansiedade. Os níveis de cortisol basal e o polimorfismo no gene CRFR1 pode influenciar na ansiedade, onde os portadores do alelo A tem maior risco de elevação do cortisol, mas sozinho o nível de cortisol pode não ser suficiente para compreender a relação com a ansiedade. Um estudo encontrou que a relação do polimorfismo para o gene CRFR1 com o polimorfismo para o gene FAAH, combinados pode chegar mais perto do desfecho. Assim, indivíduos portadores do alelo menor A para o gene CRFR1 e os genótipos AA ou AC para o gene FAAH apresentam maior nível de cortisol e menor ansiedade. Já os que não possuem alelo menor A para o gene CRFR1 e os genótipos AA ou AC para o gene FAAH apresentam menor nível de cortisol e maior ansiedade. O genótipo CC de FAAH só confere risco de ansiedade em indivíduos que também são portadores da combinação menor de CRFR1. Mas, o genótipo FAAH não foi independentemente associado à ansiedade, e o cortisol basal foi negativamente associado à pontuação de ansiedade.
A possível explicação vem de estudo em modelos animais, onde nível elevados de glicocorticoide basal, mas sem exposição ao estresse, podem aumentar anandamida (AEA) na amígdala, enquanto o estresse agudo reduz AEA da amígdala. A AEA circulante está negativamente correlacionada com a ansiedade em populações saudáveis e psiquiátricas, menor AEA está relacionada a maior ansiedade, sugerindo que menor cortisol pode estar associado com maior ansiedade. E, indivíduos com cortisol basal menor tendem a ter maior cortisol pós-estresse. Em conjunto, os níveis de cortisol podem estar associados à sinalização endocanabinóide e à ansiedade, mas as interações bidirecionais entre o sistema endocanabinóide e o eixo HPA são complexas, com envolvimento de diversas regiões cerebrais e mediadores.
A presença de variações genéticas, como o polimorfismo rs110402 para o gene CRFR1 influencia diretamente nos níveis de cortisol. Ao identificar variantes genéticas que afetam os níveis de cortisol, o teste genético BioMental da Biogenetika pode ajudar a prever respostas individuais ao estresse e à ansiedade.
*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerar impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.
REFERÊNCIAS
HARRIS, Breanna N.; HOHMAN, Zachary P.; CAMPBELL, Callie M.; KING, Kaleb S.; TUCKER, Cody A.. FAAH genotype, CRFR1 genotype, and cortisol interact to predict anxiety in an aging, rural Hispanic population: a project frontier study. Neurobiology Of Stress, [S.L.], v. 10, p. 100154-100165, fev. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.ynstr.2019.100154.
WHO. Anxiety disorders. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/anxiety-disorders Acesso em 10.11.2024.