A Doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa que envolve distúrbios do movimento, como tremor em repouso, rigidez muscular e bradicinesia (dificuldade e lentidão de movimentos), além de características não motoras, como comprometimento cognitivo, disfunção autonômica, distúrbios do sono, depressão e hiposmia (redução da percepção de cheiros). A progressão da doença inclui perda neuronal em áreas específicas da substância nigra e acúmulo de agregados aberrantes de fibrilas insolúveis de alfa-sinucleína amiloide (aSyn) na forma de corpos de Lewy e neuritos de Lewy, entretanto nenhuma destas questões é exclusiva da DP, mas precisam estar presentes para o diagnóstico.

A DP atingiu mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo, e sua prevalência deve aumentar consideravelmente nas próximas décadas. Geralmente, no momento da realização do diagnóstico clínico, os processos patológicos já estão avançados. Esse momento relativamente tardio do diagnóstico provavelmente explica por que tem se mostrado tão difícil retardar a progressão da doença em pessoas com DP clinicamente manifesta. A DP clínica é precedida por um período denominado “prodrômico” que é estimado em 10 anos, quando os indivíduos podem experimentar sintomas não motores sutis, antes das características motoras mais clássicas. Nesse contexto, é crescente o interesse em retardar ou mesmo prevenir o início da DP clinicamente manifesta intervindo em uma fase precoce da doença, onde a patologia ainda é limitada.

Um histórico familiar de DP é encontrado em aproximadamente 15% dos pacientes, no entanto a grande maioria dos pacientes com DP é acometido pela forma esporádica. Nestes, acredita-se que a causalidade seja poligênica com componentes ambientais, sendo que a arquitetura poligênica contribui para a suscetibilidade e progressão. A progressão na DP pode, pelo menos em parte, ser impulsionada pelo acúmulo de variantes genéticas comuns, cada uma, individualmente, tendo um tamanho de efeito relativamente pequeno. Na última década ocorreu um progresso tremendo, particularmente com o advento de grandes estudos de associação genômica ampla (GWAS), que têm melhorado a capacidade de entender e definir o risco da doença de DP esporádica, com a identificação de muitas variantes de baixo risco. Desta forma, com o uso dos Escores de Risco Poligênico, é possível realizar uma possível previsão e estratificação de risco. 

O Poligenika traz a análise de Escor de Risco Poligênico para Doença de Parkinson, com a análise de 1.805 marcadores genéticos, previsto através do maior estudo GWAS para a DP até o momento atual. O teste oferece um caminho para a medicina de precisão, possibilitando a adaptação de condutas de estilo de vida para trabalhar a prevencão, além de direcionar o rastreio diagnóstico precoce e tratamentos de acordo com as características genéticas individuais, melhorando assim os possíveis resultados e trazendo mais qualidade de vida.

As intervenções no estilo de vida oferecem um caminho promissor para prevenir a progressão da DP prodrômica para a DP manifesta. Uma das intervenções muito estudadas para a modificação da doença é o exercício físico, sendo que a atividade regular está associada a redução de risco de DP. Dois grandes estudos de intervenção, em fase experimental 2, o Park-in-Shape e Study in Parkinson Disease of Exercise (SPARX), mostraram estabilização dos sintomas motores após 6 meses de exercícios aeróbicos. Parece que a maior intensidade de exercício (80%–85% da frequência cardíaca máxima) está associada a melhores resultados motores do que uma dose menor (60%–65% da frequência cardíaca máxima). Ainda, exercícios de resistência, treinamento de equilíbrio, ioga e intervenções de dança (mesmo quando não necessariamente extenuantes) também podem melhorar vários sintomas motores, embora haja menos evidências para essas intervenções.

Evidências preliminares de neuroimagem do ensaio Park-in-Shape, com exames de ressonância magnética estrutural e funcional realizados antes e após os exercícios, sugerem que a prática regular de exercícios aeróbicos pode estar associada à melhor preservação da rede de gânglios da base. Os estudos em humanos concordam com os estudos em modelos animais, onde o exercício protegeu a integridade da rede de neurônios dopaminérgicos, normalizou os níveis de dopamina e a plasticidade adaptativa dos gânglios da base. O exercício também pode ter vários efeitos benéficos no funcionamento não motor, especificamente, os efeitos benéficos do exercício na função cognitiva, sono e fadiga, sintomas depressivos e constipação, como sugerido em outras doenças, também podem se aplicar à DP. Além disso, o exercício também pode aliviar processos patológicos indiretamente por meio de sua influência benéfica no microbioma intestinal e no estresse mental, ambos implicados na patogênese da DP.

Ainda há muitas incertezas. Não está estabelecido se a manipulação experimental da intensidade e frequência de atividades físicas pode retardar a progressão de DP prodrômica para DP manifesta, porque nenhuma intervenção foi realizada em indivíduos em risco, mas há evidências que apontam nesta direção. Também não se sabe se uma intervenção de exercício pode retardar a progressão a longo prazo em pessoas com DP já manifesta, embora alguns estudos recentes tenham cuidadosamente sugerido essa possibilidade. Não se sabe quais subgrupos de DP (prodrômica) se beneficiarão mais do exercício. É possível que certas (sub)populações em fases específicas da progressão da doença já estejam em risco inevitável de desenvolver DP manifesta ou que o exercício simplesmente não seja eficaz em pessoas com causas específicas de DP. No entanto, o exercício pode ser considerado uma intervenção bastante independente de causa que pode muito bem ser eficaz para uma população de DP muito heterogênea, independentemente da etiologia específica ou do mecanismo da doença subjacente, e parece ter poucos efeitos colaterais.

Outros fatores de estilo de vida para a DP são os padrões alimentares associados a um menor risco de desenvolver DP. A dieta mediterrânea, contendo altos níveis de vegetais, frutas, gorduras poliinsaturadas, grãos integrais e nozes, além de outras dietas como as com baixo teor de laticínios, ou moderadas em álcool ou ricas em cafeína, além de dietas com propriedades de aumento de urato tem sido estudadas. Duas destas intervenções foram investigadas a fundo, a dieta Mediterrânea Alternativa (aMED) e o Índice de Alimentação Saudável Alternativa (AHEI), para sua associação à probabilidade de desenvolver características prodrômicas sugestivas de DP. Uma coorte com mais de 120 mil mulheres enfermeiras (Nurse’s Health Study – NHS)  e outra com mais de 50 mil profissionais do sexo masculino do Health Professionals Follow-up Study (HPFS) foi acompanhado por mais de 30 anos. Foi possível identificar os indivíduos que apresentaram características prodrômicas, transformando cada uma em pontuação (quanto mais altas, mais características), assim foi possível classificá-los pelo número de características que apresentaram. Observou-se que os indivíduos com maior adesão à dieta aMED tinham IMC menor; eram mais velhos, menos propensos a serem fumantes atuais e mais ativos fisicamente; e consumiam menos cafeína e mais energia total do que os indivíduos com menor adesão à aMED. A adesão a uma dieta de estilo mediterrâneo foi inversamente associadas a combinações de características prodrômicas para DP, principalmente a constipação, sonolência diurna excessiva e sintomas depressivos. Os resultados foram semelhantes para homens e mulheres. Os pesquisadores deste grande estudo extrapolaram os resultados afirmando que um padrão dietético saudável pode reduzir o risco de DP e suas características prodrômicas, embora o mecanismo pelo qual o padrão alimentar pode influenciar o risco de DP ou suas características prodrômicas permaneça obscuro, evidências crescentes indicam que o intestino e o sistema nervoso entérico estão envolvidos na patogênese da DP. Este padrão alimentar protege contra a agregação de α-sinucleína no intestino ou promovendo a saúde intestinal de uma maneira que proteja contra a degeneração no sistema entérico ou no SNC. O consumo de alimentos ricos em compostos antioxidantes e anti-inflamatórios pode reduzir o risco de DP ou características prodrômicas de DP prevenindo o estresse oxidativo e a neuroinflamação. Algumas destas características prodrômicas também estão presentes na demência por Corpos de Lewy, e estas dietas também são indicadas na prevenção desta condição.

Nenhum desses tratamentos é curativo e a doença de Parkinson continua sendo um distúrbio progressivo que eventualmente causa incapacidade grave, principalmente pela gravidade crescente de problemas motores resistentes ao tratamento e sintomas não motores. Assim, modificar a progressão da doença e atrasar a incapacidade são as prioridades do tratamento e cuidado. O desenvolvimento de métodos para identificar indivíduos em risco e manifestações precoces que antecedam o início dos sintomas motores definidores traz a vantagem de trabalhar de forma muito precoce a prevenção.

*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerando impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.

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