
Resiliência ao Estresse: efeito e resposta aos diferentes tipos de estresse à luz da genética
Altos níveis de estresse de forma prolongada podem levar a problemas fisiológicos e psicológicos diversos, mas o estresse não afeta a todos da mesma forma. Algumas pessoas são mais resilientes e têm respostas fisiológicas e psicológicas adaptativas e não são sobrecarregadas pela adversidade, enquanto pessoas não resilientes exibem respostas inapropriadas que aumentam sua suscetibilidade a doenças.
O sistema nervoso autônomo (SNA) está implicado na resposta ao estresse. As respostas cognitivas e emocionais de pessoas com maior tônus vagal cardíaco (parassimpático) tendem a ser mais adaptativas a uma variedade de estressores. Maior controle vagal reduz ainda mais o desenvolvimento posterior de psicopatologia internalizante em resposta à adversidade crônica. Além disso, também prevê melhor recuperação cardiovascular do estresse psicossocial. De forma antagônica, a diminuição do controle vagal está associada à recuperação prejudicada de marcadores cardiovasculares, endócrinos e imunológicos pós-estresse; prevê futuros transtornos mentais relacionados ao estresse (ex. ansiedade e transtornos depressivos) e predispõe a fatores de risco cardiovascular, como obesidade, hipertensão e diabetes.
Um dos mecanismos envolvidos na resiliência ao estresse e na atividade vagal (parassimpática) é o neuropeptídeo Y (NPY) que é liberado durante o estresse agudo e crônico, amplamente distribuído no cérebro e no SNA, e um mediador influente da resiliência ao estresse. Estudos farmacológicos revelaram repetidamente as propriedades ansiolíticas e antidepressivas do NPY em comportamentos induzidos por estresse. Estudos com soldados, demonstraram que os que possuíam níveis mais altos de NPY apresentaram menor sofrimento psicológico após interrogatório, um desempenho superior, além de sentimentos de dominância e autoconfiança.
O polimorfismo promotor funcional (C>T) do gene NPY, rs16147, pode influenciar o tônus vagal durante altos níveis crônicos de estresse, com o alelo C reduzindo a expressão de NPY. O alelo C está associado ao aumento da ativação bilateral da amígdala em resposta à expressão facial relacionada à ameaça, em humanos saudáveis e pacientes deprimidos. As evidências sugerem que o NPY pode modular a regulação do SNA da reatividade ao estresse, atenuando elevações de pressão arterial e na frequência cardíaca (FC) após exposição ao estresse. Altos níveis de tônus vagal têm sido considerados um sinal de flexibilidade autonômica, a capacidade do sistema nervoso parassimpático de gerar respostas adequadas ao estresse ambiental, modificando a FC, a respiração e a excitação. Diminuições na modulação vagal podem prever incompatibilidades entre desafios ambientais e (re)atividade cardíaca, aumentando assim a vulnerabilidade a doenças cardiovasculares (DCVs) relacionadas ao estresse, como angina (dor no peito), doença cardíaca coronária, infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca congestiva. O alelo C ainda foi relacionado ao desenvolvimento de aterosclerose de início precoce.
A adversidade na primeira infância, como abuso, negligência, morte dos pais e divórcio, é fator de risco importante para transtornos psiquiátricos, como Transtorno Depressivo Maior (TDM) e Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), agressão, psicose e tentativa de suicídio na idade adulta. A experiência de múltiplas adversidades na infância aumenta o risco de TDM em 4 vezes, e de tentativa de suicídio, entre 2 a 5 vezes.
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) desempenha um papel essencial nas respostas ao estresse e nos transtornos psiquiátricos relacionados ao estresse. Os glicocorticoides (GCs) são liberados no sangue como produtos finais do eixo HPA, penetram no cérebro, ligam-se aos receptores de glicocorticoides (GRs) e exercem efeitos de feedback negativo para manter a homeostase. Evidências acumuladas sugerem que a proteína de ligação FK506 5 (FKBP5), uma molécula co-chaperona reguladora de GR de HSP90, desempenha um papel importante na regulação do eixo HPA. A FKBP5 liga-se aos GRs no citosol, diminuindo a afinidade do ligante GR e a translocação nuclear. Foi demonstrado que os GCs induzem a expressão de mRNA de FKBP5.
O gene FKBP5 é altamente expresso em regiões cerebrais associadas a respostas de estresse e ansiedade, incluindo o hipocampo, a amígdala e o núcleo paraventricular. O polimorfismo rs1360780 está localizado em uma região intensificadora, e está associado aos níveis de expressão da proteína FKBP5. O alelo de risco de rs1360780 é A/T, enquanto seu alelo protetor é C/G. Foi demonstrado que o alelo T, de risco, está associado à indução da expressão do mRNA FKBP5 após a ativação do GR. A presença do alelo T diferencia a conformação do DNA favorecendo a transcrição, colocando elementos intensificadores de longo alcance em contato com a maquinaria de transcrição gênica. Consequentemente, o alelo T está associado à alteração na inibição do feedback mediada por FKBP5 do GR. Portanto, o alelo T está associado à maior indução de FKBP5 pelo cortisol em comparação com o alelo C.
O gene FKBP5 foi extensivamente estudado na interação entre o estresse no início a vida e uma variedade de transtornos psiquiátricos, incluindo TDM, TEPT, agressão, psicose e tentativa de suicídio e forneceram fortes evidências em apoio a esta interação. Um estudo de revisão sistemática com meta-análise encontrou associação do polimorfismo rs1360780 com estresse no início da vida e a gravidade dos sintomas de TDM e TEPT. Curiosamente, o trauma adulto não teve influência nas interações do genótipo FKBP5 com os sintomas de TEPT. Esta meta-análise apoiou a evidência de que o alelo T de rs1360780 interagiu especificamente com o trauma da infância, o que pode aumentar os riscos de TEPT na vida adulta. Ainda este alelo moderou a associação entre adversidade atual e sintomas depressivos para meninas vitimizadas, assim como para adversidade na infância, eventos negativos na vida e depressão em homens, trazendo uma possível diferença de gênero para o SNP rs1360780 e o risco de desenvolvimento de depressão. Um dos estudos identificou que os portadores do alelo de risco FKBP5 exibiram níveis elevados de alfa-amilase salivar, que é um indicador de atividade do sistema nervoso simpático/noradrenérgico, e que isso pode ser causado devido a uma sensibilidade aumentada ao estresse antecipatório.
Outro estudo avaliou o desempenho da memória de curto e longo prazo em condições de estresse e não-estresse. O estresse pós-aprendizagem foi relacionado ao aumento da consolidação da memória de longo prazo e o estresse pré-recuperação prejudica a recordação, ambos os efeitos sendo atribuíveis a uma interação entre mecanismos corticosteroides e noradrenérgicos na amígdala e no hipocampo. Pesquisadores especularam que os polimorfismos FKBP5 promovem a sensibilização da resposta ao estresse, influenciando assim a formação da memória emocional, e alguns mostraram que portadores de polimorfismos FKBP5 demonstram um viés de atenção à ameaça, níveis mais altos de memórias intrusivas em um ambiente de laboratório, maiores respostas da amígdala a estímulos emocionais e cognição prejudicada em indivíduos idosos.
As descobertas sugerem que o estresse pré-aprendizagem melhorou a recordação de longo prazo e a memória de reconhecimento em não portadores dos alelos de risco FKBP5, embora não tenha efeito de longo prazo em portadores do alelo de risco. O desempenho da memória foi correlacionado com os níveis de cortisol salivar em não portadores, mas não em portadores. Especula-se que este efeito resulte de aumento na atividade noradrenérgica interagindo com níveis de corticosteroides lentamente crescentes que exercem influências excitatórias não genômicas no hipocampo, uma área significativamente influenciada pela atividade da amígdala induzida pelo estresse e densamente repleta de receptores de corticosteroides. Especificamente, portadores de alelos de risco podem exibir uma resposta anormalmente intensa que os enviesa para uma fase inibitória para aprendizado e memória. A mudança induzida pelo estresse no cortisol demonstrou um impacto muito diferente, potencialmente mais adverso, em portadores de alelos de risco. Da mesma forma, em indivíduos idosos (mais de 50 anos) em população não clínica que realizaram testes cognitivos, foi encontrada atenção/concentração (memória de trabalho) significativamente mais fraca em portadores do alelo T em comparação com seus equivalentes.
O fator de liberação de corticotrofina (CRH) é um neuropeptídeo essencial em respostas fisiológicas e psicológicas ao estresse por meio da regulação da atividade (entre outras regiões) no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Em humanos, essa noção é apoiada pela desregulação observada do CRH em transtornos de humor e ansiedade, por exemplo, evidente a partir de alterações nos níveis de CRH e nas expressões do receptor CRH1. No polimorfismo rs878886, o alelo G, para o gene que codifica o receptor do hormônio liberador de corticotropina (CRH)1 (CRHR1) foi associado ao transtorno do pânico e à resposta condicionada ao medo, à redução da resiliência e da qualidade de vida.
A exposição ao estresse durante a infância e adolescência pode contribuir para resultados adversos, incluindo comportamentos aditivos. O grau e a direção dessa sensibilidade à adversidade no início da vida variam entre os indivíduos, determinados em parte pelas ações das catecolaminas no sistema nervoso central. A enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) é responsável pela quebra de catecolaminas, com importância funcional particular no córtex pré-frontal em relação a outras regiões do cérebro. As diferenças individuais na atividade da COMT podem, portanto, ser sensíveis ao ambiente inicial de maneiras que afetam os padrões de reatividade ao estresse e comportamento adaptativo na idade adulta. No polimorfismo rs4680 o alelo Val (G) resulta em COMT que é altamente estável e mais eficiente na quebra de norepinefrina e dopamina no córtex pré-frontal e sistemas de recompensa. Já os portadores do alelo Met (A) apresentam maior persistência de dopamina e norepinefrina e podem apresentar melhor desempenho em testes de atenção, memória de trabalho e tomada de decisão.
Apesar das vantagens cognitivas, os homozigotos Met/Met (A/A) podem ser mais ansiosos, sensíveis a estímulos dolorosos e reativos a rostos emocionais, e têm maiores respostas subjetivas e fisiológicas ao estresse psicossocial. Em um estudo que acompanhou 480 indivíduos, a exposição a adversidades no início da vida levou a respostas de cortisol muito diminuídas em homozigotos Met/Met com efeitos menos pronunciados em heterozigotos Val/Met, consistentes com um efeito de dose genética do alelo Met (A) na reatividade ao estresse do cortisol. Portadores homozigotos do alelo Val (G/G) tiveram um efeito simetricamente oposto. As respostas normais do cortisol ao estresse são consideradas centrais para a adaptação comportamental saudável em relação às demandas do ambiente. O histórico de adversidades no início da vida se relacionou a uma idade mais precoce de experimentação de álcool e a um número maior de drogas para os indivíduos com o genótipo Met. Entretanto, a reatividade atenuada do cortisol e a adoção precoce da experimentação de álcool e drogas podem ser consequências independentes da adversidade no início da vida em portadores do alelo Met da COMT.

Ainda, COMT rs4680 moderou as associações entre adversidades no início da vida e alterações na resposta do estresse no sistema cardiovascular, de modo que as associações da reatividade de frequência cardíaca embotada, pressão arterial sistólica e diastólica ao primeiro estresse e habituação de pressão diastólica interrompida a exposições repetidas ao estresse só existiram em portadores do genótipo GA/AA (Val/Met e Met/Met), mas não em portadores do genótipo GG (Val/Val).
A proteína chamada fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) é extensa no cérebro e tem uma função de modulação na neurotransmissão, plasticidade e aprendizagem. O polimorfismo rs6265, no gene BDNF, que codifica o BDNF, foi associado a sintomas depressivos. A mutação de C para T no BDNF rs6265 diminui a secreção regulada de BDNF, o que modificaria a modulação sináptica. Portadores do alelo T teriam níveis mais baixos de BDNF para plasticidade em seu desenvolvimento. Baixos níveis de BDNF foram encontrados em pacientes com depressão grave e, o estresse, faz uma regulação negativa do BDNF. Os indivíduos que têm pelo menos um alelo T parecem ter uma resposta elevada de cortisol. Além disso, o alelo T pode ser considerado um fator de risco para comportamento suicida em pacientes deprimidos. Interações significativas foram observadas entre o BDNF rs6265 e autorrelatos de adversidades na infância em indivíduos com crescimento hipocampal prejudicado e depressão.
A atividade física tem um impacto protetor na tolerância ao estresse, e a promoção da saúde física tem sido considerada um fator de resiliência adquirida. Há uma relação positiva entre os níveis de exercício e os níveis de BDNF, o exercício aeróbico agudo resulta em um aumento temporário no BDNF circulante, pelo menos 30 minutos de atividade física (passeio de resistência) são suficientes para elevar transitoriamente os níveis de BDNF. Foram encontrados efeitos de interação para portadores do alelo T e atividade física moderada como um efeito protetor contra o desenvolvimento de sintomas depressivos. A atividade física frequente previne a consequência negativa dos sintomas depressivos.
O teste genético BioMental da Biogenetika traz, de forma inovadora, a análise de Resiliência ao Estresse, através de algorítmo de análise que combina os polimorfismos nos genes NPY, FKBP5, COMT, CRHR1 e BDNF. Ainda, com o genótipo completo o profissional de saúde pode trazer nova luz e entendimento a comportamentos dos seus clientes.
*Conceito de polimorfismo: são as variações na sequência de DNA que podem alterar as proteínas produzidas pelo organismo podendo gerando impactos para as vias envolvidas, metabolismo e saúde de quem as porta. Para ser considerado um polimorfismo esta variação precisa ser de no mínimo 1% em uma população.
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